O Muro das Lamentações, que o presidente Jair Bolsonaro visita hoje em Jerusalém, tem a fama de operar milagres. É comum visitantes deixarem bilhetinhos com pedidos ao todo-poderoso. “Ele entende qualquer idioma”, dizem os locais. Bolsonaro precisa mesmo de ajuda divina. - Por Helio Gurovitz


O presidente Jair Bolsonaro e o primeiro ministro de Israel, 
Benjamin Netanyahu, durante visita do chefe de Estado brasileiro ao país —
 Foto: Ronen Zvulun/Reuters

Bolsonaro e o pragmatismo

Na Terra Santa, ele cedeu a uma solução de compromisso. Por aqui, não há sinal de que a temperança venha a substituir a polarização, usada como estratégia para dividir o país.



Em três meses, seu governo não aprovou nenhuma medida no Congresso, a reforma da Previdência (essencial ao equilíbrio das contas públicas) está empacada, as previsões de crescimento despencaram, o dólar disparou, as pressões inflacionárias já se fazem sentir. 

Os otimistas continuam a afirmar que, no fim, tudo dará certo.

É possível. Em Israel, Bolsonaro se revelou um pragmático. Em vez da prometida mudança da embaixada para Jerusalém, saiu-se com um oportuno escritório de representação comercial.

Nada capaz de aplacar a ira da Autoridade Palestina, que convocou seu embaixador no Brasil para consultas. 

Mas o suficiente para evitar uma crise maior com os países árabes, importadores relevantes para a indústria de carne brasileira. 

Entre o eleitorado evangélico e o interesse comercial, encontrou uma solução de compromisso.

Seria bom se Bolsonaro usasse o mesmo pragmatismo em sua relação com os políticos. 

Apesar de apaziguada, a crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou um travo na garganta do Congresso. 

Brasília anda tensa. Enquanto o governo não se demonstrar capaz de exercer o poder dentro das regras democráticas, a tensão persistirá.

Em vez disso, Bolsonaro demonstra competência apenas para dividir o país em campos antagônicos. 

Seus êmulos nas redes sociais usaram os 55 anos da ditadura para disseminar uma versão da história que tenta eximir os militares da responsabilidade pelo atraso e pela barbárie dos Anos de Chumbo. 

O objetivo foi atingido: grupos contra e a favor brigaram ontem em protestos no país.

Não há nenhum sinal de que o pragmatismo venha a substituir a polarização. A negociação, o diálogo, a busca de um terreno comum com adversários, a arte do convencimento e da persuasão política, nada disso faz parte do léxico bolsonarista. 

Seu governo é um governo pela provocação, pelo confronto, pelo conflito.

Numa leitura generosa, tudo não passa de teatro para obter aplausos da plateia que o elegeu. 

Os grandes projetos, a agenda de prioridades nacionais, as reformas, privatizações e o combate à corrupção e ao crime serão tocados em paralelo, pelos ministros profissionais, capazes de estabelecer relações autônomas com o Parlamento.


Uma leitura mais realista recomenda cautela. Por mais consistentes que pareçam as agendas na economia ou na segurança pública, não há estratégia para implementá-las. A bateção de cabeça com o Congresso é a maior prova disso. Só há provocação, só há confronto, só há conflito.


Com que objetivo? Eis o mistério que cerca a gestão Bolsonaro. Nenhum governo democrático se beneficia da instabilidade. Ao contrário, quanto mais serenas forem as relações políticas, quanto mais próspero e tranquilo estiver o país, maior a popularidade dos governantes.


Bolsonaro e seu séquito podem ser apenas ineptos, incapazes de entender a essência da política ou de governar. Podem, talvez, apostar na confusão como forma de esconder, atrás das curtidas e comentários nas redes sociais, a falta de projeto e estratégia. Ou podem apostar na ruptura, em ampliar seus poderes sem amparo institucional, em reviver o rumo autoritário tão frequente na história brasileira.


Não dá, a esta altura, para conhecer as intenções reais do presidente ou dos grupos que o cercam. Nenhuma das alternativas, contudo, é reconfortante ou tranquilizadora. O jeito é tentar acreditar que alguma luz divina da Terra Santa seja capaz de iluminá-los.
por: 
Por Helio Gurovitz
https://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/2019/04/01/bolsonaro-e-o-pragmatismo.ghtml

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