Lula diz que Dilma vai se expor a Judas no Senado: 'História muitas vezes demora séculos para julgar'
Em entrevista à BBC, ex-presidente diz que não deve pedido de desculpas por escândalos: 'Eu não. Quem tem que pedir desculpas é quem está inventando acusações'.
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| O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à BBC (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula) | 
 A menos de uma semana do início do julgamento final da presidente Dilma
 Rousseff no Senado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz ter 
"esperança" em uma vitória, embora às vezes fale como se o afastamento 
da sucessora estivesse consumado.
 Em entrevista à BBC Brasil, Lula disse apostar no julgamento da 
história. "Às vezes a história demora séculos para julgar e eu trabalho 
com isso. 
A história não termina dia 29. Ela começa dia 29."
 Sem citar nomes, Lula diz que Dilma irá se "expor corajosamente" no 
Senado "para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela". 
Afirma que o presidente interino, Michel Temer, é constitucionalista e 
"sabe" que a antecessora é vítima de um "golpe parlamentar".
 Principal líder do projeto político do PT e réu sob acusação de 
obstrução da Justiça na Operação Lava Jato, Lula se diz alvo de mentiras
 e afirma que seu partido não deve pedir desculpas pelo acusações de 
corrupção. "Quem tem que pedir desculpas é quem está inventando 
acusações."
 Confira a íntegra da entrevista concedida à repórter Júlia Dias Carneiro:
BBC Brasil:
 O senhor é agora réu em processo por tentativa de obstrução da Justiça 
nas investigações de corrupção na Petrobras e decidiu apelar ao Comitê 
de Direitos Humanos das Nações Unidas. Por que o senhor decidiu recorrer
 a essa instância internacional?
Luiz Inácio Lula da Silva:
 Tem uma coisa muito esquisita aqui no Brasil. Você tem uma 
investigação, eu sou vítima de acusações em que você não tem uma única 
prova.
 Eu penso que os procuradores e os delegados que acusaram estão com uma 
dificuldade muito grande, e a imprensa numa dificuldade maior, porque 
como eles mentiram muito tempo a respeito das acusações, em algum 
momento isso vai vir à tona, eles vão ter que provar se procede alguma 
das coisas que eles me acusaram.
 Por falta de prova, eles começaram a preparar um discurso, que você 
deve conhecer bem, que é a teoria do domínio do fato. Ou seja, se o Lula
 é presidente, ele deveria saber. Não existe essa de você julgar em 
tese. Ou você prova ou não prova. Ou você pede desculpa ou não pede 
desculpa.
 E eu não quero nada, só quero que peçam desculpas pelas mentiras que 
contaram a meu respeito. Nós temos uma força-tarefa nesse processo. Que 
envolve um juiz, procurador e Polícia Federal. Então, você não sabe quem
 investiga, quem acusa e quem vai julgar. Uma mistura, todo mundo faz 
tudo.
 E eu não quero nada, só quero que peçam desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito
 Então, nós entramos com um processo no escritório da ONU em Genebra 
para que a gente mostre que há, no mínimo, uma certa suspeição no 
comportamento, ou seja, as pessoas querem transformar uma mentira que 
eles inventaram num processo.
 Estão procurando razões para justificar o processo. Eu estou tranquilo,
 tenho consciência do meu papel nessa história toda, estou tranquilo 
porque eles inventaram que eu tenho um apartamento e vão ter que provar 
que o apartamento é meu, ou me dar um apartamento.
 'Só quero que peçam desculpa pelas mentiras que contaram a meu respeito', diz ex-presidente sobre acusação na Lava Jato.
 Disseram que eu tenho uma chácara que eu frequentava, e a chácara não é
 minha, a chácara tem dono, foi pago com cheque administrativo, e acho 
que em algum momento eles vão ter que dizer: "Olha, presidente Lula, 
desculpa, pensávamos que tinha, mas não tem".
 A imprensa mentiu muito e não sei se a imprensa vai ter caráter para 
pedir desculpas. É por isso que eu recorri a uma instância das Nações 
Unidas para ver se existe pelo menos um comportamento exemplar de uma 
Justiça a serviço da justiça.
BBC Brasil: O que o senhor acha que a ONU pode trazer de efeitos concretos aqui no Brasil?
Lula:
 Eu não sei se pode trazer efeito concreto. O que eu acho é que pode 
haver um debate. E esse debate já começou por advogados, sindicalistas e
 políticos de outros países. E pela imprensa. Se não fosse a imprensa 
estrangeira cobrir com uma certa isenção e autonomia o impeachment da 
presidente Dilma, a versão da imprensa brasileira é um horror.
 Porque a versão da imprensa brasileira, ela não quer saber da verdade, 
ela sabe que a Dilma não tem culpa, sabe que a Dilma está sendo cassada 
politicamente e não cometeu nenhum crime, mas finge que não sabe.
 Então graças a Deus, foi através da imprensa estrangeira que a gente 
conseguiu fazer com que líderes importantes no mundo inteiro se dessem 
conta de que o país está rasgando a sua Constituição, está rompendo com a
 nossa democracia incipiente. É isso que eu quero, que haja um debate no
 mundo sobre o que está acontecendo no Brasil.
BBC Brasil:
 O senhor tem falado muito em uma caça às bruxas, mas por outro lado o 
senhor tem enfrentado alegações muito sérias, que precisam ser 
investigadas.
Lula: Nenhum presidente na história
 desse país fez o que a presidenta Dilma e eu fizemos para dotar o 
Estado de instrumentos de combate à corrupção. Se você perguntar para 
qualquer procurador qual foi o governo que mais criou condições para 
autonomia do Ministério Público, eles vão dizer que foi o PT.
 Se você perguntar para qualquer delegado qual foi o partido que mais 
investiu na PF, que mais investiu na inteligência da PF, eles vão dizer 
que foi o PT. Se você perguntar quem fez as maiores transformações na 
legislação, inclusive com a lei da delação premiada, foi PT que fez, 
numa demonstração que o PT entende que a lei é para todos, e que ninguém
 está livre de qualquer investigação.
 O que não queremos e não poderemos aceitar é que as pessoas façam um 
pacto com a imprensa, contem mentiras para a imprensa, ou a imprensa 
conte mentiras para eles, porque tanto a imprensa serve alguns 
procuradores como os procuradores servem à imprensa, tanto o delegado 
serve à imprensa quanto a imprensa serve ao delegado. É uma alimentação 
mútua na perspectiva de criar fato consumado.
 Eu não acho isso um comportamento inteligente da Justiça. Um 
comportamento inteligente é aquele que você investiga, você prova, você 
acusa julga, e condena. Um julgamento que não é inteligente, você faz um
 pacto com a imprensa, a imprensa faz a manchete de jornal, ela vai te 
criminalizando junto à opinião pública sem nenhuma prova. Depois de dez 
acusações em horário nobre na televisão ou na primeira página dos 
jornais, você, mesmo inocente, estará condenado dentro da opinião 
pública.
BBC Brasil: O senhor tem dado indicações
 de que poderia voltar a se candidatar, mas as pesquisas mais recentes 
mostram que esta bem atrás daquela popularidade lá em cima de alguns 
anos atrás, e isso tem a ver com todas as acusações de corrupção que vem
 afetando tanto o PT como o senhor. Como o senhor reage a isso?
Lula:
 Olha, primeiro eu reajo com muita naturalidade, ou seja, estou há 
praticamente seis anos fora da política, até por respeito à presidenta 
Dilma, que acho que ela tinha que ter liberdade para governar o país. 
Então é normal que a pesquisa não seja mais a pesquisa do ano que eu saí
 da Presidência, com 87% de "bom e ótimo".
 Mas tenho clareza de que na hora que a gente começar a debater neste 
país, que a gente começar a mostrar o que o PT fez nesse país, da 
diferença do governo do PT com os governos do passado, eu tenho certeza 
que o povo vai se lembrar que o que o PT trouxe em 12 anos de benefício 
para esse povo - com educação, saúde, trabalho, politica agrícola - eles
 não fizeram em 200 anos.
 Dilma visita Lula em junho deste ano; para presidente, sucessora 
'demorou ou não percebeu que estava entrando menos dinheiro no caixa'.
 Então eu estou tranquilo que eles não vão conseguir nem criminalizar o 
PT, e muito menos criminalizar o Lula. É preciso que a verdade venha à 
tona e é isso que estamos buscando, que o Judiciário tenha liberdade, 
que o Ministério Público tenha liberdade, e defendo a tese de que toda 
instituição, quando ela é forte, ela tem que ser séria.
 Os que representam aquela instituição têm que ser sérios, não podem 
brincar, não podem mentir. E hoje o que a gente percebe são pessoas se 
colocando a serviço de uma revista, de um jornal. Muitas vezes a 
imprensa recebe o relatório antes do advogado de defesa. Isso não é 
inteligência, é brincar com o direito que todo cidadão tem de ser 
respeitado pela lei, de ser investigado corretamente, de ser julgado 
corretamente. É para isso que brigo, é por isso que mudei leis neste 
país, é por isso que a Dilma mudou leis.
 Você veja, é tão grave o que esta acontecendo no Brasil que mesmo os 81
 senadores, sabendo que a presidente Dilma não cometeu nenhum crime 
contra a Constituição, eles resolveram cassá-la politicamente por 
interesse.
 Ou seja, na medida em que a economia não estava bem, na medida em que a
 pesquisa não estava ajudando a presidente Dilma, eles resolveram dar um
 golpe político, um golpe parlamentar. Imagina se isso prevalece no 
mundo inteiro. Cada vez que um governante baixa na pesquisa, a gente 
manda derrubar o governante.
 Na verdade, não foi a Dilma que foi cassada, o que está sendo cassado é
 o voto de 54 milhões de brasileiros que votaram na Dilma. E amanhã os 
senadores vão ter que prestar conta aos eleitores, aos seus filhos e 
netos. Porque eles não querem ser chamados de golpistas, mas o que 
fizeram foi dar um golpe na Constituição e dar um golpe parlamentar 
contra uma presidenta democraticamente eleita pelo povo brasileiro.
BBC Brasil:
 O senhor tem usado a expressão golpe para falar do que está se passando
 com a presidente Dilma Rousseff mas o senhor também viveu o golpe 
militar. Pode-se usar a mesma expressão?
Lula: 
Dá. Da mesma forma como usamos a palavra golpe militar porque foi um 
golpe militar em 31 de março de 64, e naquele tempo a gente vivia tempo 
de Guerra Fria, havia acusação de que o comunismo ia tomar conta do 
Brasil, então os militares e os conservadores desse país deram um golpe 
para evitar a ascensão da esquerda neste país. Agora não tem essa razão.
 O comunismo já não amedronta mais. Não tem a Guerra Fria.
 Por que o golpe na Dilma? Não foi o golpe militar. Foi um golpe 
parlamentar. Uma maioria eventual se juntou para tirar a presidente 
dilma da Presidência da Republica. Uma maioria no Senado e uma maioria 
na Câmara resolveram afastar a presidenta. O que é um absurdo.
 As pessoas que estão fazendo isso não querem que a gente fale golpe, 
porque diz que é feio, que não é golpe militar. O presidente interino 
(Michel Temer) é constitucionalista. E ele sabe que o que eles estão 
fazendo é ilegal, porque a Dilma não cometeu crime e segundo porque é um
 golpe parlamentar.
BBC Brasil: O que isso 
representa para o legado do PT depois de tantos anos, porque este 
período está terminando com um quadro bastante ruim, com recessão, 
inflação, desemprego aumentando e com a presidente saindo desta forma, 
com o impeachment. O senhor tem alguma responsabilidade nesta situação?
Lula:
 Olha, se fossem tirar os governantes do mundo hoje por conta de crise 
econômica, por conta do desemprego, não tinha um governo no mundo. Já 
tinham caído todos. O governo inglês, americano, alemão, italiano, 
francês, chinês. Porque a crise é geral. E é uma crise causada pela 
irresponsabilidade do sistema financeiro que começou com o problema 
habitacional americano, o subprime, e terminou com queda do (banco) 
Lehman Brothers. A partir daí todos os países entraram em crise.
 Quando fizemos o G20 em Londres, em 2009, nós decidimos que, para 
evitar uma crise econômica muito grande, era necessário não adotar 
políticas protecionistas e aumentar o comércio exterior para poder gerar
 mais emprego para as pessoas. Foi feito exatamente o contrário. Cada 
país tentou se proteger, a crise aumentou e 90% dos países ainda não 
resolveram seus problemas.
 Olímpiada 'não era para resolver todos problemas do país', diz Lula. 
'Não estamos fazendo as Olimpíadas de restauração do bem-estar social.'
 Aqui no Brasil a gente poderia não estar em crise. A gente poderia não 
estar na situação em que a gente está, porque poderíamos ter tomado 
decisões mais rápidas. Mas não tomamos. Agora, não é uma coisa do 
Brasil. Mas se a Dilma está se afastando não é por uma questão 
econômica. É porque uma parte da elite política e econômica desse país 
não admite a ascensão social dos mais pobres.
 Os mais pobres subiram um degrau na escada social. E isso já começou a 
incomodar, porque muito pobre começou a andar de avião, ir a 
restaurante, comprar coisa que era só de 30% da população. Pobre na 
universidade, nós colocamos em universidade mais jovens na universidade 
que 100 anos de conservadores, criamos em 12 anos quatro vezes mais 
escolas técnicas do que eles criaram em 100 anos.
BBC Brasil:
 Mas essa parcela mais pobre da população que teve ascensão social 
também está sofrendo com a recessão. E é difícil argumentar que é uma 
crise global porque a situação do Brasil no momento está pior do que em 
outros países.
Lula: Onde é que o crescimento foi
 retomado? Estados Unidos, muito menos do que se imaginava, na Europa, 
muito menos do que se esperava. A crise no Brasil chegou por último. 
Alguns anos depois que chegou nos EUA e na Europa. O que que eu acho que
 o Brasil deveria ter feito? O Brasil tem um mercado interno 
extraordinário. São 204 milhões de pessoas.
 E defendo a ideia de que os pobres nesse país, toda vez que está em 
crise, os pobres são a solução. Basta que a gente permita que o pobre 
receba o crédito necessário para poder consumir alguma coisa, e que a 
gente faça investimentos necessários em infraestrutura, de que o Brasil 
tanto precisa. Isso não foi feito e a gente está pagando o preço por 
isso.
 E o Brasil vai sair da recessão, todos os países vão sair. E o que vai 
fazer o país sair da recessão é investimento, consumo e produção. E isso
 está diminuindo em tudo que é lugar. O que nós temos que admitir é que 
só para resolver o problema do sistema financeiro já foram gastos mais 
de US$ 13 trilhões, e ainda não resolveu. Se esses US$ 13 trilhões 
fossem colocados para financiar desenvolvimento nos países pobres, a 
gente não teria essa crise durante o tanto que durou.
BBC Brasil:
 Como isso deixa o legado do seu governo? Um pouco atrás estava se 
falando no Brasil como superpotência econômica e agora a realidade é 
totalmente outra, a recessão no pior nível das últimas décadas. O que 
isso representa para o legado dos 13 anos do governo do PT?
Lula:
 Primeiro nós temos que ter em conta o que aconteceu até 2014. Até 2014,
 esse país tinha gerado 22 milhões de empregos formais, enquanto na 
Europa tinha 100 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. Até 
2014, todas as categorias tiveram reajuste salarial acima da inflação. 
Até 2014, a massa salarial brasileira crescia muito e o desemprego era 
de apenas 4,7%, igual a Dinamarca, Suécia, Noruega, menos do que outros 
países europeus grandes.
 Então o que aconteceu a partir de 2014 foi isso. É que a presidenta se 
deu conta de que o Orçamento tinha diminuído porque ela fez R$ 500 
bilhões de desoneração, ou seja, para manter a economia crescendo.
 De repente, a presidenta demorou ou não percebeu que estava entrando 
menos dinheiro no caixa e ela foi obrigada a fazer uma proposta de 
ajuste.
 Essa proposta de ajuste foi para a Câmara. Ao invés do presidente da 
Câmara (Eduardo Cunha) colocar em votação, ele começou a apresentar 
pautas aumentando cada vez mais o gasto, contrário àquilo que a 
presidente deveria fazer.
 Foi se perdendo a confiança. Os empresários não investiam, o Estado perdeu capacidade de investimento e nós chegamos a isso.
 Eu sou muito otimista com relação ao Brasil. Quando fui em 2009 a 
Copenhague para conquistar as Olimpíadas, a gente defendia que o Brasil 
chegaria em 2016 sendo a quinta economia mundial. Nós tínhamos passado a
 Inglaterra naquele tempo, nós já éramos uma economia mais rica do que a
 Inglaterra.
 Esse país é muito grande. Não sei se eu sou excessivamente otimista, 
mas eu sinceramente acho que é muito fácil fazer o Brasil voltar a 
crescer. É muito fácil.
 Não sei se eu sou excessivamente otimista, mas eu sinceramente acho que é muito fácil fazer o Brasil voltar a crescer.
 O que precisa é acreditar no Brasil e acreditar que nossa solução está 
aqui dentro, confiando no povo brasileiro e fazendo esse país voltar a 
acreditar em si próprio como fizemos nos últimos 12 anos.
 Não dá para a gente ficar dependendo apenas da economia mundial. Nós 
temos um potencial interno muito grande, um mercado interno muito forte e
 um povo precisando de muita coisa.
 Portanto, é preciso a gente pensar outra vez que o pobre pode ser a solução do nosso país, e não o problema.
BBC Brasil:
 O seu partido vem dizendo que a situação econômica irá se deteriorar se
 o presidente interino, Michel Temer, ficar no mandato. Então o recado 
para investidores é que se a situação for essa é melhor se afastar do 
país?
Lula: Pelo contrário. Quando eu fui eleito,
 em 2002, você sabe o que os economistas e os especialistas diziam? Que o
 país não tinha jeito. Que o país estava quebrado. Que eu não ia 
conseguir governar o Brasil.
 E o Brasil se recuperou, pagou a sua dívida com o Fundo Monetário 
Internacional. O Brasil é o único país do G20 que fez superávit primário
 todo ano.
 Quando as pessoas falarem para você que o Brasil tem uma dívida pública
 alta, você lembre às pessoas que a Alemanha tem mais do que o Brasil, 
que os Estados Unidos em 2007 tinham 64,8% de dívida pública em relação 
ao PIB e hoje tem 107%.
 E por que aumentou a dívida pública? Para poder fazer a economia crescer.
BBC Brasil: A grande questão é que isso foi longe demais e será muito difícil trazer de volta o equilíbrio econômico.
Lula:
 É nada. Não é difícil não. Eu, sinceramente, não vou ficar fazendo 
profecias aqui porque eu vou esperar o que acontece lá. Não é difícil.
 Eu acho que tem uma palavra mágica, que vale para qualquer país do 
mundo, que é credibilidade. É preciso recuperar a credibilidade do país 
no próprio país. E o importante é fazer que o povo acredite que as 
coisas vão acontecer. Se o sistema financeiro não tem crédito, se os 
empresários não confiam na política, se o Estado não tem dinheiro para 
investir, não tem como acontecer um milagre.
 Desde afastamento de Dilma, ex-presidente tem concedido entrevistas e 
participado de eventos com apoiadores para defender legado petista no 
Planalto
 Nós precisamos recuperar a capacidade do Estado de investir, a 
confiança para o sistema financeiro fazer crédito e do empresário para 
investir. E isso nós já fizemos. É possível fazer.
 Quando você tem uma crise no país, a política existe para isso. O 
problema não é técnico. Se fosse técnico, eu iria na melhor universidade
 da Inglaterra, nos EUA ou na Alemanha, pegaria os dez melhores 
economistas do mundo e colocaria aqui. Mas não vai acontecer, sabe por 
que? Porque a decisão é política.
BBC Brasil: O 
senhor está falando de credibilidade, mas o problema é que para o PT é 
um momento de muito descrédito por causa de todos os escândalos de 
corrupção e investigação em andamento. O senhor acha que é o momento de 
fazer algum pedido de desculpas?
Lula: Eu não. 
Quem tem que pedir desculpas é quem está inventando acusações. Eu vou te
 dar um dado impressionante. Você sabe qual era a preferência eleitoral 
do PT em 2002, quando fui eleito presidente da República? 11%. Você sabe
 qual é a credibilidade do PT e a preferência eleitoral em 2016? 12%. É o
 dobro do PSDB. O dobro do PMDB.
 Significa que o PT continua sendo o partido de maior credibilidade 
eleitoral mesmo depois de sete anos de massacre. Sabe por quê? Porque 
nós temos história. E temos vínculo com a sociedade com nenhum outro 
partido teve. Obviamente, eu defendo a tese de que toda denúncia de 
corrupção seja apurada ao limite máximo e que as pessoas envolvidas 
sejam condenadas. É isso que eu espero do Brasil.
 É por isso que nós criamos leis. É por isso que nós aperfeiçoamos o 
sistema de investigação no Brasil. O que nós queremos é que as pessoas 
tenham o direito de se defender. E queremos que as pessoas não sejam 
condenadas pelas manchetes de jornais.
 Se um jornal inglês fizer cinco manchetes dizendo que você é corrupta, 
mesmo você sendo absolvida pela Justiça, você está condenada diante da 
sociedade. É isso que está acontecendo no Brasil. O que menos importa é a
 investigação. O que mais importa é a especulação.
BBC Brasil: Do jeito que as coisas estão caminhando, o senhor tem medo de ser preso?
Lula:
 Não. Não tenho medo de ser preso. Tenho a consciência de que eles não 
têm acusação, da minha inocência. Vamos aguardar com a maior 
tranquilidade possível.
 Eu não sou o primeiro ser humano a ser vítima de um processo de calúnia
 e não serei o último. A história da humanidade está cheia desse tipo de
 processo. Eu só encontro uma explicação para tentarem fazer o que estão
 fazendo comigo: é tentar tirar o Lula da vida política desse país. Eu 
que fiz tão bem.
 A coisa é tão grave que todo mundo sabe o esforço que eu fiz para 
trazer essa Olimpíada para o Brasil. E no dia da inauguração da 
Olimpíada eu me senti como o menino do filme Esqueceram de Mim. Ou seja,
 eu não estava presente numa festa em que fui responsável dela vir para 
cá.
 Você pergunta se eu tenho lamentações, frustrações. Eu não tenho porque
 eu acho que política você não deve fazer esperando agradecimento. A 
gente faz política porque a gente acredita, faz política por convicção e
 eu tenho consciência de que vai demorar muito para um governante, um 
partido, construir um legado como o PT construiu aqui no Brasil.
 Porque ninguém nunca cuidou tanto dos pobres desse país como nós 
cuidamos. Não é só cuidar materialmente, de melhorar qualidade de vida. É
 cuidar da autoestima desse povo. É acabar com esse complexo de 
vira-lata. O Brasil passou a ser importante no mundo, interlocutor, 
protagonista.
 Porque eu aprendi desde pequeno que ninguém respeita quem não se respeita. E eu aprendi a me respeitar desde muito cedo.
BBC Brasil:
 O senhor acha que dá para ignorar o fato de que a situação agora é 
totalmente diferente de cinco anos atrás, quando era um momento de 
otimismo no Brasil? São dois momentos muito diferentes. O legado se 
perdeu?
Lula: É como se uma pessoa com boa saúde,
 ficasse doente e perdesse a esperança que fosse ficar boa outra vez. 
Até hoje o mundo se lembra do New Deal feito por (pelo presidente 
americano Franklin) Roosevelt e já faz quanto tempo? Foi na década de 
1930. E todo mundo lembra. Aquilo que é bom as pessoas vão lembrar a 
vida inteira.
 Alguém pode querer que as pessoas esqueçam, mas esse país um dia acreditou que era possível ser diferente e o povo sabe disso.
BBC Brasil: Neste caso o problema é que começou com uma esperança de que havia um futuro promissor e a coisa não se realizou.
Lula:
 Tem dia que a gente levanta muito bem de saúde e daqui a pouco tem um 
infarto. Não significa que a vida acabou. Você vai para o hospital, você
 volta e a luta continua.
 O Brasil tem potencial econômico, um povo que gosta de trabalhar, 
fronteira com 12 países, é um país que estabeleceu relações comerciais 
com o mundo inteiro. Na minha opinião é fácil o Brasil se recuperar.
BBC Brasil:
 Qual o legado planejado que as Olimpíadas trariam para o Rio durante o 
planejamento e como você acha que está no momento atual?
Lula:
 Você não briga para trazer uma Olimpíada e resolver os problemas 
sociais do país. Você briga para trazer uma Olimpíada para fazer uma 
disputa esportiva e mostrar o seu país ao mundo e deixar como legado 
tudo o que você gastou com as Olimpíadas.
 E obviamente que o Rio de Janeiro está muito mais bonito, com muito 
mais metrô, com uma cara mais limpa, vai ficar muito melhor.
 Resolveu todos os problemas? Não. Mas não era para isso. Nós não 
estamos fazendo as Olimpíadas de restauração do bem-estar social.
 Eu tenho certeza que o mundo viu o Rio de Janeiro como nunca em 500 
anos. Um povo extraordinário, alegre, simpático. As praças esportivas 
melhores do que em qualquer país do mundo, Atlanta, Berlim.
 Fui à China e as nossas praças esportivas estão muito mais bonitas. Nós somos capazes.
 E isso é o mais importante. Que depois das Olimpíadas o povo vai ter 
transporte melhor, praças melhores, obras extraordinárias, espaço 
público para eles.
 Eu sinceramente acho que ganhamos as Olimpíadas porque a gente estava 
em um momento de ascensão econômica e política, e porque a crise nos 
Estados Unidos estava maior do que no Brasil. A crise na Espanha era 
pior do que no Brasil e nós fomos mais convincentes.
 E acho que dificilmente algum país vai conseguir apresentar uma 
proposta como a do Brasil porque era 100% paixão, 100% alma e 100% 
razão.
 Lamentavelmente os resultados, tanto na Copa do Mundo contra a Alemanha
 e agora nas Olimpíadas, não são aquilo que a gente esperava, mas eu te 
confesso uma coisa. Eu faria tudo outra vez. Iria chorar, conquistar a 
Olimpíada e participar.
BBC Brasil: Com a situação que está hoje, o senhor se preocupa com o país no próximo ano?
Lula:
 Eu me preocupo todo dia com o Brasil. Eu acho que a gente nesse 
instante de crise tem que pensar como sair da crise, não ficar 
discutindo a crise.
 Eu dizia, no G20 de 2009, que o problema da crise era a falta de 
lideranças políticas para decidir politicamente o que tinha que ser 
feito. E eu acho que aqui no Brasil a gente poderia ter saído da crise 
mais rápido.
 Quando você demora para tomar uma decisão, pode virar um século. Nós 
demoramos, o Congresso quis prejudicar a presidenta. A presidenta e o 
governo exageraram na política de desoneração.
 Em dezembro de 2015, Lula se encontrou com cúpula do PMDB, incluindo o 
atual presidente interino, Michel Temer, para tentar articular contra o 
avanço do impeachment no Congresso
 É uma lição. A nossa briga agora é para não permitir que os 
trabalhadores percam aquilo que conquistaram nos bons períodos do país. 
Aumento de salário, programas sociais que não permitiram que a miséria 
voltasse.
 Lamentavelmente, nós estamos com o desemprego crescendo e isso é muito 
ruim. O emprego é uma coisa que dá cidadania ao ser humano. O ser 
humano, se tem emprego, saúde e salário, ele está muito bem.
 Eu torço para o Brasil ficar bem em qualquer momento. Porque se o 
Brasil estiver mal, eu também estou mal. Se o Brasil for mal, o povo vai
 sofrer.
 Primeiro, eu estou torcendo para dia 29 o Congresso não afastar a 
Dilma. Eu tenho esperança. Eu sou um homem de muita esperança.
 Vai ser um momento importante, um momento histórico porque a presidenta
 vai ao Senado se expor. Ela corajosamente vai se colocar diante de seus
 acusadores para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela.
 E ela vai tentar mostrar para eles o erro que estão cometendo. Se a 
Dilma não conseguir convencer os 28 senadores (número necessário para 
evitar o impeachment), ela vai estar fazendo um gesto histórico neste 
país.
 É uma mulher de coragem se expor diante de 81 senadores e ouvir de cada
 um, olho no olho de cada um, a acusação e poder, olho no olho, se 
defender.
 Eu quero saber como os senadores vão voltar para casa e olhar para suas
 mulheres, filhos, netos.
 Eles vão ter que reconhecer que ilegalmente 
eles afastaram uma pessoa eleita nesse país.
 E a história não julga na mesma semana. 
Às vezes a história demora séculos para julgar e eu trabalho com isso.
 A história não termina dia 29. Ela começa dia 29.
