Relatório da OEA reconhece ‘instituições democráticas fortes’ no Brasil
Relatório da OEA reconhece ‘instituições democráticas fortes’ no Brasil e contraria extrema direita
Cruzando fronteiras com refugiados, testemunhando crimes contra a humanidade, viajando com papas ou cobrindo cúpulas diplomáticas, Jamil Chade percorreu mais de 70 países. Com seu escritório na sede da ONU em Genebra, ele foi eleito o segundo jornalista mais admirado do Brasil em 2025. Chade foi indicado 4 vezes como finalista do prêmio Jabuti. Ele é embaixador do Instituto Adus, membro do conselho do Instituto Vladimir Herzog e foi um dos pesquisadores da Comissão Nacional da Verdade.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) divulgou nesta sexta-feira (26) o Relatório Especial sobre a Situação de Liberdade de Expressão no Brasil.
O informe, segundo o ICL Notícias apurou, já estava pronto há semanas. Ele é o resultado de uma viagem do relator Pedro Vaca ao Brasil. Durante a missão, ele foi alvo de forte pressão por parte de bolsonaristas para que seu texto fosse usado para justificar ações dos Estados Unidos contra o Brasil.
Vaca se reuniu com representantes do ex-presidente, que insistiram em denunciar a suposta ditadura no Brasil. A meta do grupo de extrema direita era de que o documento denunciasse o suposto risco para a democracia brasileira que o atual governo ou o STF representam.
Ainda que o informe alerte para o risco de censura, o texto de Vaca foi comemorado pelo governo Lula como uma “retumbante derrota” da extrema direita na tentativa de usar o órgão interamericano como instrumento de pressão.
Ao longo dos últimos meses, a Comissão Interamericana foi alvo de chantagem por parte do governo de Donald Trump, que apontou que iria suspender repasses para o órgão caso a situação brasileira não fosse abordada.
Em vários trechos, no entanto, as conclusões de Vaca vão na contramão da expectativa dos bolsonaristas.
“A delegação constatou que o Brasil possui instituições democráticas fortes e eficazes, o que se evidencia por declarações e políticas relevantes do Estado destinadas à conformidade com os padrões nacionais e internacionais de direitos humanos. A visita em si é um gesto nesse sentido. Situar o Brasil como um Estado democrático, regido pelo Estado de Direito, é um pré-requisito para compreender a situação do direito à liberdade de expressão no país. O Estado realiza eleições livres e justas, e é caracterizado pela separação de poderes e pelo Estado de Direito, com arranjos constitucionais que garantem a proteção dos direitos humanos”, diz o item 2 da Introdução.

Outro trecho, o item 5, cita a tentativa de golpe de Estado ocorrida no país:
“A Relatoria entende que o Brasil passou por tentativas deliberadas de deslegitimar os resultados eleitorais internacionalmente reconhecidos do período eleitoral de 2022, além do planejamento e da tentativa de execução de um golpe de Estado. Nesse contexto, a defesa da democracia no Brasil também é um componente fundamental da defesa do direito à liberdade de expressão no país, uma vez que a liberdade de expressão requer uma sociedade democrática para ser plenamente exercida”.
Mais à frente, o relator observa “uma clara separação funcional dos poderes, autonomia judicial e um sistema de freios e contrapesos em pleno funcionamento. O Brasil dispõe, portanto, de amplos meios para continuar defendendo o exercício da liberdade de expressão”.
Além disso, Pedro Vaca reconhece “a gravidade das tentativas de alteração da ordem constitucional relacionadas ao resultado das eleições de 2022, que levaram à atuação de diversos poderes do Estado”. Segundo o texto, “a própria gravidade dos ataques exige que operadores e operadoras da justiça ajam com rapidez e imparcialidade para determinar definitivamente a culpa de todos os responsáveis”.

O relatório traz uma crítica a políticos de oposição que reclamam de restrição à liberdade de expressão, enquanto usam todos os recursos a seu dispor para censurar adversários.
“Por um lado, alguns dos atores que mais acusam o Estado de censura tentam restringir a livre divulgação das ideias de seus oponentes, chegando a pedir ao Estado que o faça. Também é digno de nota que alguns atores relutam em repudiar eventos do passado recente que foram considerados pela CIDH como ataques à democracia brasileira, ou mesmo as profundas desigualdades estruturais que desafiam a sociedade brasileira”, relata Pedro Vaca.
Mas também há alertas quanto à atuação do Supremo Tribunal Federal, apesar do reconhecimento de sua importância em momento crucial.
“A Relatoria entende que o Supremo Tribunal Federal desempenhou um papel fundamental ao iniciar procedimentos para investigar e resolver essa situação. No entanto, também há preocupações de que essas medidas constituam uma concentração de poder. Embora a defesa da democracia deva fundamentar a ação do Estado, há o risco de transformar uma solução temporária, destinada a ser excepcional, em um problema duradouro, ao criar precedentes que podem ser usados em benefício de regimes potencialmente autoritários no futuro”.
Entre diplomatas, a publicação do informe no dia 26 de dezembro, sem qualquer alarde e nem mesmo o envio por parte da assessoria de imprensa do órgão, revela a tentativa de sufocar seu conteúdo.
Para Raisa Cetra, co-diretora executiva da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul, “O relatório da RELE deixa claro que não estamos vivendo atualmente no Brasil um estado de censura e de perseguição política. Ao mesmo tempo em que reconhece que, sim, vivemos ameaças concretas à democracia, particularmente em 2022.
Ao afirmar que as instituições brasileiras são democráticas faz, exatamente por isso, um chamado a que redobrem seus esforços e medidas para proteger a liberdade de expressão.
Particularmente de jornalistas e vozes historicamente silenciadas, alvo de discriminações estruturais e de perseguição no ciclo político anterior.”
Procurado, Vaca explicou que apenas pode responder na próxima semana, por estar com “temas familiares” neste dia 26 de dezembro.
https://iclnoticias.com.br/relatorio-da-oea-reconhece-instituicoes-democraticas-fortes-no-brasil-e-contraria-extrema-direita/
