"O envelhecimento sem cuidado pode ser um grande gargalo para o futuro da economia brasileira", diz Jorgemar Felix

"O envelhecimento sem cuidado pode ser um grande gargalo para o futuro da economia brasileira", diz Jorgemar Felix

"Temos uma base legal avançada, mas é preciso tirar as leis do papel", aponta ainda o jornalista e pesquisador sobre o tema

14 de novembro de 2025 



Por Regina Zappa, 247 “O grande gargalo que a economia brasileira vai enfrentar na próxima década é a crise global do cuidado.” Essa afirmação é do jornalista, pesquisador e gerontólogo Jorgemar Felix, que há anos vem estudando os desafios do envelhecimento, uma questão crucial para o país. Não por acaso, no último domingo, os candidatos que se inscreveram para o Enem, na sua maioria jovens, se surpreenderam com o tema da prova de redação: o envelhecimento da população brasileira e o etarismo. A escolha do tema trouxe visibilidade ao debate sobre como o Brasil está enfrentando o desafio de amparar a sociedade na velhice. 

A questão não é apenas social. Segundo Jorgemar Felix, “a falha em suprir o cuidado de longa duração pode ser um garrote para a economia brasileira, impedindo o crescimento econômico”. Os cuidados com o idoso envolvem a família e, muitas vezes, pessoas que deixam de trabalhar ou estudar para cuidar de seu parente. Daí a importância do governo atual ter acionado a Política Nacional do Cuidado.  

“O Brasil está discutindo e dando os primeiros passos na implementação do Plano Nacional do Cuidado, que é a Lei 15069, de 2024. Isso implica em um serviço de cuidado a idosos a domicílio, que foi uma promessa de campanha do presidente Lula quando ele se reuniu com os pesquisadores do envelhecimento.” Felix falou ao programa Mario Vitor e Regina Zappa, na TV 247.

O país tem evoluído na questão dos idosos e do etarismo desde a Constituição de 1988. Temos hoje um conjunto de legislações das mais avançadas do mundo em relação aos direitos dos idosos: a Constituição de 1988, a Política Nacional do Idoso (Lei 8842, de 1994) e o Estatuto do Idoso (Lei 10741, de 2003). “Existe uma grande base legal. O desafio é tirar essas leis do papel e isso está caminhando mais lentamente do que o ritmo do envelhecimento.” 

Felix vai além e afirma que um dos maiores problemas é que estamos envelhecendo sob um modelo econômico altamente financeirizado, onde o capital financeiro domina sobre o produtivo. “A maioria dos países ocidentais vive a redução do bem-estar social, imposta por políticas neoliberais de austeridade fiscal.”

Mas há também avanços. A lei do Cuidado, de 2024, elaborado pelo Executivo e sancionada pelo Congresso, reconheceu, pela primeira vez, o cuidado como sendo trabalho e que a pessoa, mesmo que cuide de um membro da sua família, está desempenhando um trabalho. Normalmente, como se sabe, a mulher é designada para cuidar, muitas vezes, dos idosos e das crianças. Isso retira muitas mulheres jovens do estudo e do trabalho.

A discriminação em relação aos idosos se manifesta em diferentes contextos — no mercado de trabalho, na saúde, nas relações sociais e até na mídia — e provoca consequências graves, como isolamento, exclusão e impactos negativos na saúde mental e física. “Temos que pensar na política do cuidado como um sistema, como temos o SUS: implementar como política pública no formato de um sistema. Essa ideia foi, a princípio, abandonada porque junto com ela era preciso criar um fundo de recursos.”

Mas isso poderia ser um ponto de partida para permitir que as gerações mais novas tenham tempo liberado para o trabalho, em vez de ter que dedicar todo o seu tempo ao cuidado dos seus parentes. 

Segundo relatório da OCDE uma das soluções mais interessantes seria criar serviços de cuidado a domicílio, um dos instrumentos atuais mais eficientes para reduzir as desigualdades sociais. Mas para isso é necessário buscar recursos numa nova política fiscal de taxação dos mais ricos. “O próprio processo de envelhecimento acirra a desigualdade”, afirma Felix. “Se o Brasil não sair dessa armadilha do sistema tributário regressivo nada disso vai andar porque não vai haver recursos. “

A prova do Enem foi importante para chamar a atenção para a questão do envelhecimento no Brasil, para o fato de que os mais velhos devem ser incluídos no mercado de trabalho, quando estão aptos, mas sobretudo para alertar os jovens e toda a sociedade que é preciso pressionar para que as boas leis brasileiras sejam, de fato, implementadas, e que os recursos para o cuidado com a geração mais velha possam sair de uma nova política fiscal.

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