Deborah Magagna: Mercado faz chantagem contra o governo por corte de gastos
Por Chico Alves
Apesar de o Banco Central ter realizado leilões de dólar nesta segunda-feira (16), a moeda americana subiu pelo terceiro dia seguido, com mais 0,99%, chegando a R$ 6,09. A estratégia do BC não surtiu efeito, assim como ocorreu na quinta e na sexta-feira. Já os juros futuros seguem subindo e já atingem os 15% com certa folga.
Como entender esse quadro caótico no sistema financeiro, se em indicadores de emprego, consumo e outros de grande importância para o cidadão comum as notícias são as melhores em vários anos?
A economista e historiadora Deborah Magagna, apresentadora do ICL Mercado e Investimentos, explica na entrevista a seguir que o mercado financeiro tem o foco exclusivo no pacote de corte de gastos do governo federal. Nada mais importa enquanto o conjunto de medidas fiscalistas não for aprovado no Congresso a contento, diz ela.
Deborah detalha como é construído esse cenário e de que forma a narrativa de crise é disseminada na imprensa, mesmo sem sustentação, apenas pelo movimento de grandes investidores.
Intervenção do BC não conteve alta do dólar
A atuação que aconteceu hoje (ontem) é o que a gente chama de leilão de linha, que é um leilão com uma garantia de recompra no curto prazo, em que o Banco Central oferta alguns dólares para tentar conter uma demanda um pouco maior pela moeda. A gente está em um momento em que a demanda por sazonalidade já é maior, tem remessa para o exterior, tem toda a questão sazonal de fim de ano e, além de tudo, está com demanda por moeda estrangeira por conta do enfraquecimento do real e pela aposta também contra o real. Então, espera-se uma demanda maior e o Banco Central faz esse tipo de leilão para tentar conter um pouco essa demanda. E isso é bem comum em fim de ano. Não foi só pela alta mais recente do dólar, normalmente acontece nessa época. Só que hoje (ontem) o leilão de linha não fez nem cócegas na cotação. Começou o dia com uma leve queda, mas depois o dólar disparou.
Isso acontece porque essa semana é muito decisiva para o pacote de cortes, para o ajuste fiscal. E o mercado é fiscalista, está pressionando muito, tanto em dólar quanto em juros para que o pacote fique a seu contento. A forma de apresentação das medidas de cortes já não foi o que se esperava e o grande receio do mercado financeiro é que ele desidrate no Congresso. E o prazo para votar é sexta-feira, porque depois vem o recesso parlamentar . Então, o prazo está super-curto pra votar lei de diretriz orçamentária e para votar também o ajuste fiscal. O mercado está jogando todo o peso nisso. Pode sair o indicador que for, a gente pode ter divulgações de indicadores positivos, que nada vai agradar o mercado agora, nada vai contentar enquanto a questão fiscal não for resolvida.
Entre o mercado e o Congresso
O grande medo é que como entre os as propostas do ajuste fiscal tem que as emendas parlamentares devem ficar dentro de um teto, do limite do arcabouço fiscal. Esse é um ponto de conflito. O Congresso não está querendo votar uma coisa que vai limitar as emendas deles, então estão colocando todo tipo de entrave, de empecilho para votar o o pacote de cortes, que está sendo o mais importante nesse fim de ano, tanto para o governo, que não quer que o pacote desidrate, porque isso faria com que o arcabouço não fosse cumprido e que o governo também tivesse que pegar esse recurso em outro lado, quanto pro mercado financeiro, que está olhando só pra isso.
Então o grande medo é que o Congresso desidrate as propostas, e principalmente nesse prazo apertado, com pressão. O Congresso vai colocar todo tipo de entrave. A gente pode até esperar novas emendas vindo aí para que eles votem isso o quanto antes, o que seria uma vitória do governo. Aliado a isso, o que o mercado financeiro está falando sobre Lula é que com a fragilidade de saúde ele não estaria tão presente nessas negociações com o Congresso, e isso poderia enfraquecer a a proposta do governo no Congresso. Então, o mercado está olhando só pra isso, colocando um peso enorme nessa questão fiscal. Enquanto isso não for resolvido, a gente pode esperar essa pressão vinda tanto do câmbio quanto dos juros futuros, que é o que a gente está vendo hoje. A gente vê a pressão que o mercado financeiro está fazendo. Hoje (ontem) teve Boletim Focus e todos os indicadores macroeconômicos foram projetados para cima.
A pressão é doméstica
O mercado está pressionando de todos os lados, ele quer se fazer ouvido, ele quer colocar essa pressão e nada que está sendo feito até então está a contento do mercado. Não adiantou, subiu um ponto percentual na Selic e já sinalizou mais duas altas, porque no dia seguinte o dólar subiu também. E era um dia que se esperava entrada de recursos aqui para especular com com os juros, ainda mais com expectativa de corte nessa semana nos juros dos Estados Unidos. Nada disso está fazendo com que o dólar arrefeça aqui. E essa semana é muito importante por vários fatores, é pré-Natal, então muitos dos indicadores saem essa semana, aqui no Brasil e fora.
Toda essa pressão cambial está vindo mesmo dessa dessa questão mais doméstica, porque a inflação dos Estados Unidos ficou dentro do esperado, a decisão de política monetária lá essa semana deve cortar juros, a expectativa quando veio a inflação de lá era de 100% de probabilidade de corte. Então, cortando juros lá e aumentando um ponto percentual aqui, e com uma uma sinalização de mais dois pontos no ano que vem, isso teria que fazer com que o diferencial de juros aumentasse aqui no Brasil e entrasse recurso estrangeiro com esse dólar. Mas isso não aconteceu na quinta-feira e não vem acontecendo.
Vamos ver como vai ser quando tivermos a decisão de juros nos Estados Unidos, na quinta-feira, para ver se esse dólar arrefece um pouco, porque tem todas realmente essa pressão para que o arcabouço fiscal seja cumprido e aí vem toda a história pintada pelo mercado de dívida pública em trajetória ascendente, vem toda a história de risco fiscal, mesmo que não tenha um risco fiscal. A dívida está bem estável, o que está subindo é a dívida bruta por conta do do dos juros. Mas a dívida líquida está estável há alguns meses. Assim, o cenário está sendo bem amarrado para que o mercado financeiro consiga pressionar as variáveis e construir essa narrativa, construir esse ambiente propício para especular e pressionar com o dólar e juros.
Chantagem do mercado
A gente pode chamar de pressão, a gente pode falar em chantagem. Se consegue construir um cenário que vai propiciar mais volatilidade e utilizar desse cenário para construir um ambiente econômico, um ambiente financeiro. A gente tem um um mercado financeiro que tem potencial pra mexer com uma variável, que é o dólar, em volume de negociação, em aposta contra o real. Então, você compra dólar, vende real, enfraquece o real e vende em bolsa. Nesse pacote, você está falando: “eu não acredito que o ambiente macroeconômico ou fiscal do Brasil vai ser favorável para aplicações financeiras, eu não acho que eh a nossa bolsa vai subir e eu acho que o real vai se desvalorizar”. Só que quando o mercado financeiro começa a se movimentar dessa forma, ele tem potencial pra mexer com outras variáveis. Então, vários agentes do mercado financeiro começam a apostar contra o Brasil. Essa ação de vender em bolsa e comprar dólar é pintada de uma forma natural, dizendo que estão tomando medidas defensivas porque acreditam que o real vai se desvalorizar, então vão se posicionar em dólar para se proteger Só que nesse movimento de mercado de grandes agentes financeiros comprando dólar tem potencial de levar o dólar para onde eles quiserem.
(…) E aí a pressão começa a ser feita também nos juros futuros. Tanto nas negociações dos juros futuros, como também no Relatório Focus, que acaba sendo esse braço no mercado financeiro para ele dar seus recados. No Focus a gente consegue fazer essa leitura: “o Brasil está aqui crescendo mais que o potencial, isso tem potencial inflacionário. O dólar está subindo e a nossa expectativa aqui é que fique perto de seis reais no fim do ano. Isso vai pressionar preços ao produtor em um dado momento, vai pressionar preços ao consumidor”. E aí começa a criar esse ambiente macroeconômico pessimista e negativo.
Mercado e imprensa econômica são sócios da mesma narrativa
O mercado cria toda uma historinha que é muito fácil de comprar, é uma uma construção fácil de se entender. Os veículos de comunicação hegemônicos e também ligados ao mercado financeiro contam sempre a mesma história: que o Brasil está crescendo acima do potencial, que a gente vai ter pressão inflacionária, por mais que não nem faça sentido a conta do Focus, que o dólar está alto. Então, se todos os veículos contam a mesma história, as pessoas também começam a a comprar essa história. Porque ela é muito simples e reduz uma série de etapas que não ficam ali disponíveis para as pessoas entenderem. É contada de uma forma muito simplista. É muito palatável e as pessoas começam a replicar isso em larga escala.
Então a mídia também acaba sendo um braço desse mercado financeiro para contar essa história. São sempre essas grandes manchetes. A gente sabe o medo que o brasileiro tem de inflação e brasileiro também não gosta de dólar alto. A gente vê na manchete que a inflação está fora da meta, mas a gente está falando de uma inflação de de 30% ao mês, a gente está falando de uma inflação de 4,89% ao ano, que veio muito por questões de preços de alimentos que não são sensíveis a juros. Então, se cria toda essa história que é muito fácil de comprar e muito fácil de de causar esse esse medo nas pessoas.
Eu sempre gosto sempre de fazer esse questionamento: a gente ultrapassou a Rússia em juros reais. Que risco fiscal é esse? E que ambiente macroeconômico deteriorado que a gente tem que justifica pagar juros reais mais altos do que um país em guerra cheio de sanções? E parece que as pessoas não têm essa percepção, né? O mercado está pintando um risco, um ambiente tão deteriorado, que parece que o Brasil está acabando por conta do pacote fiscal que não foi do contento dele. E essa é a única variável que importa para eles.