ONU acusa governo Bolsonaro de ter contribuído para morte de indígenas
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ONU acusa governo Bolsonaro de ter contribuído para morte de indígenas
A ONU acusa o governo de Jair Bolsonaro de ter autorizado invasões de terras indígenas e contribuído para a violência contra essas comunidades. Chamando os anos do governo anterior de "período de escuridão", a entidade ainda destacou como essas ações levaram a uma destruição da floresta, contaminação das águas, introdução de novas doenças, além de graves violações dos direitos humanos contra os membros dessa comunidade, incluindo assassinatos, estupros e deslocamento forçado.
Hoje, diz o documento, o Brasil está agindo para evitar o risco de genocídio de povos indígenas. Mas o governo precisa ampliar suas ações e lutar contra a impunidade, principalmente diante do discurso de ódio que se perpetua no país.
Num comunicado emitido nesta segunda-feira, a representante especial da ONU para a Prevenção ao Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, admitiu que as medidas adotadas pelo governo brasileiro estão "dando frutos" para reduzir o risco de genocídio. Sua mensagem, porém, é de que a luta precisa continuar e ser ampliada.
Ela lembrou que, em sua visita ao Brasil em maio de 2023, conheceu os desafios das populações vulneráveis no país e a resposta do governo. Naquele momento, o governo de Luiz Inácio Lula Silva buscava um respaldo internacional para avaliar o que havia ocorrido no Brasil nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Processos chegaram a ser enviados ao procurador do Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro, por conta de um suposto genocídio contra indígenas durante a pandemia da covid-19. Naquela visita, a questão indígena foi de fato alvo de um alerta de risco.
"Na época de minha visita, a situação no Brasil apresentava muitos elementos preocupantes do ponto de vista de meu mandato. Desde então, as ações de liderança do governo e as decisões do Supremo Tribunal Federal atenuaram a extensão de alguns desses fatores de risco. Mas a luta pela prevenção não termina", alertou a representante.
Ela destacou a violência enfrentada pelos povos Guarani Kaiowa, pelos Yanomami e quilombolas.
"O governo federal anterior e as autoridades do estado de Roraima sancionaram a incursão em terras indígenas Yanomami para mineração, levando à destruição da floresta, contaminação das águas, introdução de novas doenças, além de graves violações dos direitos humanos contra os membros dessa comunidade, incluindo assassinatos, estupros e deslocamento forçado", disse.
"O mercúrio contaminou suas águas e suas terras, com sérios impactos sobre a saúde, inclusive a disseminação de doenças e a piora da desnutrição, especialmente entre as crianças", afirmou.
"Mulheres e meninas são submetidas à violência sexual e de gênero, inclusive estupro. A continuidade da vida dos indígenas Yanomami depende da floresta amazônica, dos rios que a regam e da biodiversidade circundante para possibilitar a vida humana", defendeu.
Para ela, "virar a página diante de tais violações exige liderança". "O atual governo do Brasil tomou algumas medidas ousadas para lidar com a situação", disse, listando algumas delas. "O governo também também enviou policiais federais e militares para expulsar garimpeiros da floresta e reassentar os Yanomami em suas terras. Ele convidou a comunidade internacional, inclusive as Nações Unidas, para fornecer assistência humanitária. Também instaurou processos contra a liderança anterior contra a liderança anterior por algumas das violações cometidas contra o povo Yanomami", disse.
Período de escuridão
Para a representante, o Brasil viveu "períodos de escuridão", mas também mostrou que pode agir. "As políticas do atual governo, bem como as decisões do Supremo Tribunal Federal de defender os direitos dos povos indígenas às suas terras contribuíram significativamente para sua
proteção em todo o país. A reparação e a restauração, entretanto, levarão tempo", alertou.
Para ela, ainda que novas medidas tenha sido tomadas, o Brasil vai precisar ir além e será necessário um "foco maior na abordagem de questões estruturais que continuam a colocar em risco os povos indígenas e os afrodescendentes".
Além da questão indígena, a ONU examinou a questão do racismo no país e a morte de negros, principalmente por forças de ordem. "Para avaliar esse desafio, reuni-me com líderes de comunidades afro e quilombolas em Brasília, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Atualmente, os brasileiros de ascendência africana constituem mais de 55% da população. No entanto, o racismo estrutural e a discriminação contra eles são terríveis", afirmou a representante.
"Meu mandato é alertar sobre o risco de genocídio contra grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos e trabalhar para a prevenção desse crime quando houver esse risco", explicou.
Foco em combater o discurso de ódio
A representante da ONU, ao examinar a atual situação nacional, insistiu sobre o discurso de ódio que circula no Brasil contra indígenas e negros.
"Atualmente, o discurso de ódio continua a representar um importante desafio que precisa ser enfrentado. O discurso de ódio constitui um indicador e um fator desencadeante do risco de genocídio e crimes relacionados", alertou. "É um sinal de alarme para a violência ou violações sistemáticas dos direitos humanos com base na identidade", apontou.
Segundo ela, o discurso de ódio pode levar à discriminação, ao ódio, à violência e, "em seu extremo, ao genocídio e aos crimes relacionados".
"É por isso que o discurso de ódio - dirigido contra os grupos protegidos e contra outras populações em risco, como defensores dos direitos humanos, líderes comunitários e mulheres - deve ser combatido", defendeu.
"Os povos indígenas são continuamente alvos de discursos de ódio que os discriminam, os tornam bodes expiatórios e os desumanizam, facilitando sua marginalização e ataque", afirmou a representante.
"Quando o discurso de ódio não é controlado, ele pode se transformar em incitação à discriminação, hostilidade ou violência, o que é proibido pelas leis internacionais de direitos humanos. O discurso de ódio também pode levar à violência sistemática e generalizada. A prevenção de tais resultados deve ser priorizada", pediu.
Em sua avaliação, é por essa razão que o Brasil "tem o dever de permanecer vigilante".
"Com relação aos povos indígenas, são necessárias novas medidas de apoio a eles; suas terras precisam de proteção adicional, contínua e sustentada. Além disso, o Brasil deve aumentar seus esforços para combater a impunidade. A obtenção de justiça para as vítimas pode contribuir para a promoção da coesão nacional, que, por sua vez, é fundamental para a prevenção", disse.
"As sementes da discriminação, por mais persistentes que sejam, podem se transformar em cenários que possibilitam a prática dos crimes mais graves. É nosso dever solene conjunto evitar esse cenário, e é meu firme compromisso apoiar o Brasil para que continue caminhando na direção da prevenção", completou.
Reportagem
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https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/11/25/onu-brasil-deve-combater-discurso-de-odio-para-evitar-genocidio-indigena.htm