Carlos Bolsonaro não nega que seu pai assinou decreto do golpe


Carlos Bolsonaro não nega que seu pai assinou decreto do golpe

Vereador reage ao relatório da PF que indiciou seu pai e outras 37 pessoas com narrativa de que "atos preparatórios" de golpe não configurariam crime

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Carlos Bolsonaro, de camiseta azul, ergue o braço de Jair Bolsonaro, de camiseta amarela, que acena do alto de um carro de som
Carlos Bolsonaro não nega que seu pai, Jair Bolsonaro, tenha assinado decreto do golpe. Carlos Bolsonaro, de camiseta azul, ergue o braço de Jair Bolsonaro, de camiseta amarela, que acena do alto de um carro de som Créditos: Flickr / Família Bolsonaro
Por Ivan Longo
POLÍTICA27/11/2024 · 05:45

O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), ao reagir à divulgação do relatório final da Polícia Federal (PF) encaminhado à Procuradoria-Geral da República propondo o indiciamento de Jair Bolsonaro e de outras 37 pessoas, nesta terça-feira (26), não negou que seu pai tenha assinado um decreto golpista que previa uma ruptura institucional e impediria a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2023. 

Segundo a PF, o decreto em questão não só foi elaborado por Bolsonaro com a ajuda de militares das Forças Armadas e membros de seu governo, mas também assinado pelo ex-presidente. O documento previa decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”. Desta maneira, Lula não tomaria posse e Bolsonaro se manteria no poder, mesmo tendo perdido a eleição presidencial de outubro de 2022. 

No relatório em que pede o indiciamento de Bolsonaro e dos outros envolvidos com a tentativa de golpe de Estado no Brasil, a PF expõe, ainda, trechos de conversas entre o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o coronel Sérgio Cavalieri com prints de mensagens trocadas com um interlocutor identificado como "Riva". Nesses prints, há detalhes de uma reunião entre Bolsonaro, o então vice-presidente Hamilton Mourão, e generais do Alto Comando das Forças Armadas. 

Segundo Riva, Mourão teria articulado uma fuga de Bolsonaro caso o golpe fracassasse, mencionando como referência uma tentativa de golpe ocorrida no Peru. Durante as discussões, os generais teriam decidido destruir o decreto golpista. "Rasgaram o documento que o 01 assinou", escreveu Riva, utilizando o apelido "01" para se referir a Bolsonaro.

  • Heleno seria "líder estratégico" na trama golpista, diz relatório da PF

Em meio à repercussão sobre o detalhamento do plano golpista, Carlos Bolsonaro foi às redes sociais e, reagindo ao relatório da PF, não negou que seu pai tenha assinado o decreto do golpe. 

"A nova modalidade de golpe: assinando um decreto. Surreal", escreveu o vereador junto ao print de uma manchete de jornal sobre a suposta destruição do documento golpista. 

Reprodução/X Carlos Bolsonaro

Em outra publicação, Carlos Bolsonaro deu o tom de qual deve ser a estratégia de defesa a ser adotada pelo seu pai. O vereador compartilhou uma postagem do jornalista Claudio Dantas em que é sugerido que "atos preparatórios" de golpe não configurariam crime, mas apenas a execução. 

"PF esconde depoimentos-chave, some com menções ao artigo 142 e transforma atos preparatórios em execução para obter enquadramento legal", escreve Dantas na publicação compartilhada por Carlos Bolsonaro. 

Envolvimento de Bolsonaro com o golpe 

O relatório final da Polícia Federal (PF), encaminhado à Procuradoria-Geral da República propondo o indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e de outras 37 pessoas, traz com detalhes o envolvimento do ex-presidente na trama golpista.

A investigação da PF é taxativa no documento. "Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade", diz trecho do relatório, sendo preservada aqui a grafia original. 

O arcabouço probatório colhido pelos investigadores demonstra que o grupo investigado e liderado por Bolsonaro "criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019". O objetivo seria sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para que dois objetivos fossem alcançados posteriormente: "primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato".

É citada ainda no relatório uma reunião ocorrida em 5 de julho de 2022, com a presença do então presidente e dos ministros da Justiça Anderson Torres; da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e do secretário-geral da Presidência em exercício. Ali, relata a PF, "seguiram exatamente a metodologia desenvolvida pela milícia digital, propagando e disseminando alegações sabidamente não verídicas ou sem qualquer lastro concreto, de indícios da ocorrência de fraudes e manipulações de votos nas eleições brasileiras, decorrentes de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação".

"A mencionada reunião de cúpula, previamente estruturada e realizada três meses antes das eleições de 2022, teve a finalidade de cobrar dos Ministros de Estado presentes, a promoção e a difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, de desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público", aponta o documento.

Neste sentido, a difusão de informações falsas sobre o sistema de votação eletrônica era essencial para a execução do golpe, já que isto seria a base que justificaria uma ruptura institucional.

O andamento do golpe após a derrota nas urnas

Após o resultado do 2º turno das eleições presidenciais de 2022, "o discurso de vulnerabilidades das urnas e de que havia ocorrido fraude eleitoral continuou sendo reverberado, inclusive, de forma mais incisiva com a Representação Eleitoral para Verificação Extraordinária peticionada pelo Partido Liberal, contendo dados técnicos inconsistentes, deliberadamente apresentado com ciência e autorização de JAIR BOLSONARO e VALDEMAR COSTA NETO".

O trecho se refere a uma petição proposta pela coligação Pelo Bem do Brasil, de Bolsonaro, em 22 de novembro, para que fosse realizada uma verificação extraordinária das urnas do segundo turno das eleições. No mesmo dia, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que a coligação incluísse no pedido inicial, no prazo de 24 horas, uma solicitação para que houvesse verificação dos dois turnos das eleições de 2022, mas o aditamento não foi cumprido. Em 23 de novembro, o ministro aplicou então, inicialmente a toda a coligação, uma multa de R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé.

A Polícia Federal aponta ainda para as ações de pressão ao comandante do Exército, Freire Gomes, como a denominada “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”, cuja elaboração e execução seriam do conhecimento do ex-presidente. 

Decreto golpista e plano de execução

A investigação também obteve elementos de prova que corroboraram que Bolsonaro, com apoio do que a PF chamou de núcleo jurídico da organização criminosa, elaborou um decreto que previa uma ruptura institucional, impedindo a posse de Lula e estabelecendo a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”.

"Na concepção dos integrantes da organização criminosa, a assinatura deste decreto presidencial serviria como base legal e fundamento jurídico para o golpe de Estado", afirma o documento.

Também é citado o papel das manifestações na estratégia golpista. "O arcabouço probatório obtido demonstra que integrantes do Governo Federal e militares da ativa, com formação em forças especiais estavam atuando para direcionar os manifestantes, conforme seus interesses, descrevendo a forma de agir, os locais de atuação, além de respaldarem suas ações, por meio da Forças Armadas", pontua o relatório. "Constatou-se que, no dia 11 de novembro de 2022, já havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, fato que efetivamente ocorreu no dia 08 de janeiro de 2023."

Em relação ao planejamento operacional “Punhal Verde Amarelo”, elaborado pelo então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, Mário Fernandes, e que tinha como alvos de execução Lula, seu vice Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, os investigadores também fazem a ligação com o ex-presidente.

"Há nos autos elementos probatórios demonstrando que no dia 09 de novembro de 2022, após elaborar e imprimir o documento no palácio do Planalto, MARIO FERNANDES foi até o palácio da Alvorada, local onde estava o presidente JAIR BOLSONARO. Ainda, na data de 06 de dezembro de 2022, constatou-se a presença concomitante dos militares RAFAEL DE OLIVEIRA e MAURO CID na região do Palácio do Planalto em horário compatível com a presença do então presidente da República JAIR BOLSONARO por aproximadamente 30 minutos, no local. Ademais, exatamente neste mesmo dia e horário, MARIO FERNANDES também estava no Palácio do Planalto e imprimiu novamente o planejamento operacional denominado “Punhal Verde Amarelo”. Além disso, após saírem da Sede do Poder Executivo Federal, MAURO FERNANDES encaminhou mensagem para MAURO CID evidenciando o ajuste de ações", pontua o relatório.

Reuniões com comandantes militares

A Polícia Federal também cita as reuniões em que os comandantes das Forças Armadas teriam sido pressionados a aderir ao intento golpista.

Em 7 de dezembro de 2022 foi realizada a primeira reunião, onde, "após ter realizado pessoalmente ajustes na minuta do decreto presidencial, JAIR BOLSONARO convocou os Comandantes das Forças Militares no Palácio da Alvorada para apresentar o documento e pressionar as Forças Armadas a aderirem ao plano de abolição do Estado Democrático de Direito", destaca o documento, ressaltando que o comandante da Marinha, Almirante Garnier, havia aderido. 

Com as duas recusas, Bolsonaro se reuniu, em 9 de dezembro de 2022, com o general Estevam Theóphilo, comandante do Comandante de Operações Especiais (COTER), que aceitou executar as ações a cargo do Exército e capitanear as tropas terrestres, caso o então presidente assinasse o decreto.

No mesmo dia, Bolsonaro quebrou o silêncio e voltou a falar em público no Palácio da Alvorada e "seguiu a narrativa da organização criminosa, no sentido de manter a esperança dos manifestantes de que o então Presidente, juntamente com as Forças Armadas, iria tomar uma atitude para reverter o resultado das eleições presidenciais, fato que efetivamente estava em curso naquele momento".

A PF ressalta ainda que "a expectativa entre os investigados de que um Golpe de Estado, apoiado pelos militares, ainda pudesse ocorrer perdurou já na vigência do novo governo, principalmente quando se desencadearam os atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023".

O relatório descreve que naquele dia, Mauro Cid começou a receber fotografias dos atos que ocorriam na Esplanada dos Ministérios enviadas por sua esposa, Gabriela Cid. Em resposta, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse que, caso o Exército brasileiro saísse dos quartéis, seria para aderir ao golpe. “Se o EB sair dos quartéis...é para aderir”, escreveu.

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