Inquérito do Exército sobre golpe é tão sério como aquele sobre o Riocentro


Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
Manchete de página do Estadão sobre o IPM do Riocentro que acusava as vítimas e vitimava os algozes
Manchete de página do Estadão sobre o IPM do Riocentro que acusava as vítimas e vitimava os algozes Imagem: Reprodução

Lamento ter de dizer assim, mas o fato é que o inquérito policial militar conduzido pelo Exército para apurar eventuais responsabilidades, no âmbito da Força, sobre os ataques às respectivas sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, vale o que valeu aquele IPM que investigou as duas bombas no Riocentro no dia 30 de abril de 1981: nada! A ditadura concluiu que os autores do atentado eram as esquerdas.

A investigação de agora não apontou falhas dos militares encarregados da segurança do Palácio do Planalto — e isso, suponho, deve incluir aqueles que toleraram a "colonização" de área de segurança adjacente ao Quartel-General —, cabendo a responsabilidade pela desídia, segundo a tal apuração, exclusivamente, à Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, que integra a pasta do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Não que eu ache — em consonância com todas as evidências — que o GSI do general Augusto Heleno, inteiramente preservado pelo general Gonçalves Dias, então chefe do órgão, tenha se comportado exemplarmente. Claro que não! Com oito dias de governo, tinha-se uma óbvia continuidade da administração anterior, numa — e isto também parece claro — aposta de que ninguém seria doido o bastante para...etc. E, como se viu, havia golpistas para todos os etecéteras e muito mais.


O resultado do inquérito é cínico, inaceitável mesmo, e dá a certeza de que existe a disposição, na Força, para não punir ninguém na esfera que lhe cabe. Ainda bem que há juízes em Brasília. E há um Supremo. Não serão os militares a decidir quem vai arcar com as consequências de suas escolhas na esfera penal, vistam os acusados farda ou não.

O tal inquérito não cita nomes. Aponta o dedo para a Secretaria de Coordenação Presidencial. Ainda que toda responsabilidade lhe coubesse, esta tinha um chefe: o general Carlos Feitosa Rodrigues. Ascendeu ao posto em 2021, na gestão de Heleno.

Subordinado a Feitosa, havia o coronel Wanderli Baptista da Silva Junior, do Departamento de Segurança Presidencial. Também uma herança mantida, então, por Gonçalves Dias. Nota: quando se debateu a quem, afinal, deveria caber a segurança do presidente, defendi que ficasse a cargo na PF. Mas acabou permanecendo no GSI mesmo. O inquérito me diz que eu estava certo.

Se houver algum militar envolvido com o ataque de 8 de janeiro, ele será processado, no âmbito do Supremo. Mas é preocupante que se tenha um inquérito, no âmbito militar, que volte suas baterias contra o próprio governo e sirva para alimentar os delírios da extrema-direita nas redes e na CPMI do Golpe.

DIRETOR-GERAL DA PF
Nesta segunda, Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, que tem se comportado com absoluta correção até aqui, participou de um seminário promovido pela seção brasileira da Transparência Internacional no Insper. Mais adiante, falo sobre esse encontro.

O diretor-geral disse a coisa certa. Leio na Folha:
Segundo Andrei, o ato golpista "deveria ter sido evitado lá em dezembro", quando, afirma, a corporação tentou remover o acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília e acabou impedida pelos militares. "Quando nós fomos de novo, no dia 8 de janeiro lá, tinha tanque de guerra no meio da rua impedindo que a polícia entrasse para retirar aquelas pessoas do acampamento. Então, isso é uma sequência."


Ele relatou que, na véspera do 8 de janeiro, fez um alerta oficial sobre a movimentação golpista, em reunião que convocou na Secretaria de Segurança do DF e em um ofício. Segundo o diretor-geral da PF, a comunicação escrita foi feita ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que depois teria enviado o alerta ao Governo do Distrito Federal.

"Não só coloquei e verbalizei isso, como eu mandei um ofício escrito. Não sou vidente, não, mas eu tô vendo as coisas aconteceram, e nele escrevi: 'Essas pessoas têm que ser contidas no acampamento. Não podem sair de lá porque eles irão invadir o Congresso, o Supremo e o Palácio do Planalto'. O que aconteceu no dia seguinte? Não só permitiram a saída, como esse bando foi levado até os palácios."

RETOMO
Tudo está dito aí. As áreas adjacentes a quarteis, que são de segurança, jamais poderiam ter sido ocupadas. E só o foram porque o discurso golpista de Bolsonaro encontrou eco nas Forças Armadas, embora estas soubessem que a possibilidade de um golpe ser bem-sucedido era inferior a zero. Tentaram um lugar impossível, que consistia em condescender com o golpismo sem assumir a responsabilidade pela ação golpista.

Alguns feiticeiros acreditavam na seguinte fórmula: os militares não rasgarão a Constituição, mas tolerarão a desordem, de modo que sejam chamados a impor a ordem. Na pior das hipóteses, tutelam o governo nascente; na melhor, o inviabilizam.

Bem, não aconteceu nem uma coisa nem outra, mas a contaminação é óbvia. Ela se evidencia, uma vez mais, no inquérito policial militar, que rivaliza em seriedade com a conclusão daquele sobre as bombas do Riocentro. Ocorre que a ditadura acabou.

TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, ZEMA E O GOLPE
O pretexto do evento, de que participou Rodrigues (e ele não tem nada com isso), foi marcar os 10 anos da Lei Anticorrupção, a 10.846, também conhecida como Lei de Leniência. De fato, a seção brasileira da Transparência Internacional, que endossou os desmandos e abusos da Lava Jato, estava tentando salvar a reputação da operação que provocou um estrago gigantesco na política e nas instituições.


Não parece que a entidade, cujo comando é intimo de Deltan Dallagnol e sua turma, vá conseguir salvar o mandato do senador Sérgio Moro (União-PR). O STF, note-se, já corrigiu alguns absurdos da 10.846 por meio do ACT (Acordo de Cooperação Técnica), que é de 6 de agosto de 2020. Mas é preciso fazer mais. A TI Brasil encomendou até pesquisa para saber se executivos apoiam o combate à corrupção. Ora... Imaginem se não...

O tal seminário teve Romeu Zema (Novo), governador de Minas, como um dos convidados. Não sei se alguém lhe perguntou alguma coisa sobre os R$ 41,2 milhões investidos na recuperação da estrada MG-425, que leva ao "Rancho Zema". Talvez parecesse mesquinho indagar, não é?

Mas uma coisa eu sei: uma semana depois do ataque golpista de 8 de janeiro, ele concedeu uma entrevista em que fez o seguinte juízo:
"Me parece que houve um erro da direita radical, que, lembrando, é uma minoria, e houve um erro também, talvez até proposital, do governo federal, que fez 'vista grossa' para que o pior acontecesse e ele se fizesse posteriormente de vítima".

Um convidado à altura da seção brasileira da Transparência Internacional, a parceira de desatinos da Lava Jato no Brasil. Ponto.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


OLHAR APURADO

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https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/08/01/inquerito-do-exercito-sobre-golpe-e-tao-serio-como-aquele-sobre-o-riocentro.htm

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