Por dentro das ‘cavernas irlandesas do inferno’, onde originou-se o Dia das Bruxas

 

Por dentro das ‘cavernas irlandesas do inferno’, onde originou-se o Dia das Bruxas

Antiga capital real originou esta data tão festejada em diversos lugares mundo a fora.

A entrada de aparência comum da gruta Oweynagat, em Rathcroghan, Irlanda, não revela seu papel central na história pagã celta. É conhecida como um portal para o submundo repleto de demônios e o local de nascimento do festival de Samhain, a raiz antiga do Dia das Bruxas. Agora, a Irlanda está solicitando que o sítio arqueológico seja classificado como Patrimônio Mundial da Unesco.

Publicado 29 de out. de 2021, 10:50 BRT

No meio de um campo em uma região menos conhecida da Irlanda, há um grande monte ocupado por ovelhas. Esses animais andam livres, pastando o gramado sob suas patas. No entanto, se estivessem no mesmo local há dois mil anos, esses animais provavelmente teriam ficado aterrorizados, carregados por pagãos fantasiados pronunciando cânticos para sacrificá-los a demônios celtas que habitavam nas proximidades da gruta Oweynagat.

Considerada pelos antigos celtas como uma passagem entre a Irlanda e o “outro mundo” repleto de demônios, Oweynagat (pronuncia-se “Oen-na-gat” e significa “gruta dos gatos”) foi o local de origem do festival de Samhain, a raiz antiga do Dia das Bruxas, de acordo com o arqueólogo irlandês Daniel Curley. Bastante diferente da festa infantil em que se transformou, o Dia das Bruxas tem origem em um ritual sangrento e misterioso realizado em Rathcroghan, antigo centro celta enterrado sob as propriedades rurais do condado irlandês de Roscommon.

Curley é especialista em Rathcroghan, o centro do antigo reino irlandês de Connaught. No coração de Rathcroghan, naquele monte monumental, animais eram sacrificados em um poderoso templo pagão durante o Samhain. Agora, a Irlanda está solicitando que Rathcroghan seja classificado como Patrimônio Mundial da Unesco, um mistério de 5,5 mil anos aos poucos decifrado por cientistas e historiadores.

Obra de arte representando o templo que outrora existiu em exposição no atual sítio arqueológico de Rathcroghan. Foi o principal ponto de encontro do reino de Connaught há dois mil anos

Raízes na tradição

Distribuída por 6,45 quilômetros quadrados de terras agrícolas férteis, Rathcroghan possui 240 sítios arqueológicos. São túmulos, fortes circulares, pedras em pé, bancos de terra lineares, um santuário ritual da Idade do Ferro e a gruta Oweynagat, chamada de “portão do inferno”.

Há mais de dois mil anos, quando o paganismo era a religião predominante entre a maioria da população celta na Irlanda, foi em Rathcroghan que nasceu o festival de Samhain (pronuncia-se “Souen”) do Ano-Novo Celta, segundo Curley. No início do século 19, a tradição de Samhain foi levada por imigrantes irlandeses aos Estados Unidos, onde se transformou na comemoração festiva com doces que é o Halloween dos Estados Unidos.

Dorothy Bray, professora associada e especialista em folclore irlandês da Universidade McGill, no Canadá, explica que os celtas pagãos dividiam cada ano em verão e inverno. Dentro desse calendário, havia quatro festividades: o Imbolc, em 1o de fevereiro, era um festival de primavera que coincidia com a época do nascimento dos bezerros. O Bealtaine, em 1o de maio, marcava o fim do inverno e implicava costumes como lavar o rosto no orvalho, colher as primeiras flores ao desabrocharem e dançar ao redor de uma árvore decorada. Primeiro de agosto prenunciava o Lughnasadh, um festival da colheita dedicado ao deus Lugh e presidido por reis celtas. Então, em 31 de outubro, ocorria o Samhain, quando um ano de pastoreio terminava e outro começava.

Rathcroghan não era uma cidade, pois Connaught não dispunha de centros propriamente urbanos e consistia em propriedades rurais dispersas. Em vez disso, era o ponto de encontro do reino e um local importante para esses festivais. Durante o Samhain, em especial, Rathcroghan ficava repleto de atividades em seu templo elevado, que era cercado por cemitérios da elite Connachta.

Esses mesmos privilegiados podem ter vivido em Rathcroghan. A classe baixa restante da comunidade Connachta residia em propriedades rurais dispersas e ia à capital apenas durante os festivais. Nesses eventos animados, havia comércio, festejos, jogos, trocavam-se presentes, arranjavam-se casamentos e anunciavam-se declarações de guerra ou paz.

Os participantes também faziam oferendas ritualísticas, que eram dirigidas aos espíritos do submundo da Irlanda, conta Mike McCarthy, guia de turismo de Rathcroghan e pesquisador e coautor de várias publicações sobre esse sítio arqueológico. Essa dimensão obscura e subterrânea, também conhecida como Tír na nÓg, era habitada por demônios celtas, fadas e duendes. Durante o Samhain, alguns desses demônios escapavam pela gruta Oweynagat.

“Samhain era o momento em que desaparecia a divisão invisível entre o mundo dos vivos e o outro mundo”, explica McCarthy. “Uma série de terríveis feras do outro mundo emergia para devastar a paisagem circundante e deixá-la pronta para o inverno.”

Gratos pelos feitos agrícolas desses espíritos, mas temerosos de serem vítimas de sua fúria, os celtas se protegiam de ferimentos acendendo fogueiras ritualísticas no alto das colinas e nos campos. Para não serem arrastados pelos demônios às profundezas de Tír na nÓg, os celtas se disfarçaram como outros espíritos maléficos, prossegue McCarthy. Passados dois milênios, crianças de todo o mundo seguem essa tradição no Dia das Bruxas.

Apesar dessas lendas fascinantes — e do extenso sítio arqueológico em que se originaram — é bastante fácil passar por Rathcroghan e não notar nada além de uma área cercada. Habitada por mais de 10 mil anos, a Irlanda possui tantos vestígios históricos que muitos passam ampla ou totalmente despercebidos. Alguns estão escondidos sob o solo, tendo sido abandonados há séculos e lentamente consumidos pela natureza.

Isso inclui Rathcroghan, que alguns especialistas afirmam ser o maior complexo real não escavado da Europa. Além de nunca ter sido escavado, Rathcroghan também é anterior à escrita na Irlanda, o que significa que os cientistas precisam desvendar sua história usando tecnologia não invasiva e artefatos encontrados nas proximidades.

Caminho na encosta leva às Cavernas de Keshcorran, no condado de Sligo, que, segundo a lenda irlandesa, representavam as portas do inferno e estavam ligadas à Oweynagat.


https://www.nationalgeographicbrasil.com/viagem/2021/10/por-dentro-das-cavernas-irlandesas-do-inferno-onde-originou-se-o-dia-das-bruxas#:~:text=Bastante%20diferente%20da%20festa%20infantil,do%20condado%20irland%C3%AAs%20de%20Roscommon.

Postagens mais visitadas deste blog