Michelle Bolsonaro não é Evita Perón



 

Josias de Souza - 

Na família Bolsonaro, a vida pública é muito parecida com a privada. Debutante na atividade política, Michelle Bolsonaro mal entrou para a folha do Partido Liberal do ex-presidiário Valdemar Costa Neto e já percebeu que não há mais pecados originais no clã. O que varia é a cotação das transgressões.

No final de 2018, quando o marido se equipava para a posse, Michelle estreou nas manchetes policiais como destinatária de uma mini-rachadinha de R$ 24 mil. Agora, com o marido refugiado na Flórida, madame ganha o noticiário como pretendente frustrada de uma muamba das arábias. Coisa de R$ 16,5 milhões em joias.

Notícia do Estadão revela que, sob Bolsonaro, o governo tentou empurrar ilegalmente para dentro do Brasil joias presenteadas a Michelle pelo governo da Arábia Saudita: colar, anel, relógio e brincos de diamantes. Peças da Chopard, uma das mais caras e requintadas joalherias do mundo.

Deu-se em outubro de 2021, nas pegadas de uma visita de Bolsonaro ao seu ditador de estimação, o príncipe saudita Mohammad bin Salman —um déspota típico, grosso modo falando. Manda esquartejar jornalista, mantém a mãe em cativeiro, persegue mulheres e homossexuais, proíbe igrejas... Brotou em Bolsonaro uma paixão hétero.

Em condições normais, as joias entrariam no Brasil como um presente oficial do regime saudita para o casal presidencial. Nessa hipótese, os bens seriam catalogados e revertidos ao Estado brasileiro. Sob a anormalidade bolsonarista, as joias viraram contrabando.

O presente desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, camuflado dentro da mochila de um militar que assessorava o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, membro da comitiva presidencial. Graças a uma emboscada da sorte, fiscais da Receita farejaram a mercadoria.

A muamba foi retida na alfândega. Para liberar, só pagando. Impostos e multa custariam o olho da cara, quase o valor da mercadoria contrabandeada.

Bolsonaro tentou reaver as joias até a véspera de sua fuga para a Flórida. Enviou um sargento de sua equipe a Guarulhos. Voou nas asas da FAB. Voltou de mãos abanando. O Planalto mobilizou o Itamaraty e a pasta de Minas e Energia. Nada. Acionou a cúpula da Receita. A fiscalização fincou o pé na base.

Michelle correu às redes sociais nesta sexta-feira para fazer troça do noticiário. "Quer dizer que 'eu tenho tudo isso' e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa [sic] vexatória."

Superior hierárquico da Polícia Federal, o ministro Flávio Dino (Justiça) também foi às redes. Enxergou crimes nas manchetes, não piadas: "Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira."

A família Bolsonaro vive num universo paralelo onde é mais fácil passar um camelo pelo buraco da agulha do que uma explicação pelo detector de mentiras. Vem aí a versão segundo a qual o casal Bolsonaro jamais pensou senão em incorporar as joias sauditas ao patrimônio nacional.

Se o caso não resvalasse no capitão, sua prole jogaria Michelle aos leões. O diabo é que, tomada pelos valores, a "ajudadora" de Bolsonaro nunca esteve tão incorporada à família.

Os pecados capitais, como se sabe, são sete: soberba, avareza, luxúria, inveja, gula, ira e preguiça. Michelle parece empenhada em convencer os teólogos de que é imperioso catalogar um oitavo pecado capital: o do capital propriamente dito.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL  

Josias de Souza 

Colunista do UOL

04/03/2023 03h02

https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2023/03/04/michelle-se-enrosca-no-pior-pecado-capital-o-do-capital-propriamente-dito.htm

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