Bolsonaro amarga antiapoteose no retorno e perde os holofotes para Haddad

 

Josias de Souza - 


Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num único palco. Ou numa mesma Brasília. Dividida entre um e outro, a plateia acaba não prestando atenção a nenhum dos dois. Dominava a cena no início da manhã desta quinta-feira um capítulo novo de uma novela velha: a volta de Bolsonaro ao Brasil. Abertas as cortinas, o espetáculo do retorno virou uma antiapoteose. Uma aparição do ministro Fernando Haddad impôs, antes do meio dia, uma mudança do cartaz.

O ministro da Fazenda não veio à boca do palco no mesmo dia da volta do capitão por acaso. Inicialmente, seu encontro com os repórteres ocorreria na sexta-feira. O Planalto celebrou durante toda a tarde o êxito da manobra inconfessada. Ressuscitando uma gíria que nasceu do aportuguesamento do verbo da língua inglesa "flop", que significa fracassar, o articulador político do Planalto Alexandre Padilha sapateou sobre a recepção proporcionada a Bolsonaro: "Flopou!"

Duas palavras escorreram dos lábios de Haddad com disposição para permanecer no vocabulário econômico e político por longo período: "Arcabouço fiscal." O dicionário ensina que arcabouço é esqueleto. Mas a demora em expor a nova regra de controle das despesas públicas fazia do "arcabouço" um outro nome para assombração. O adiamento da viagem de Lula à China e o retorno de Bolsonaro ao Brasil retiraram finalmente do armário a ossatura da nova regra fiscal.

O governo se especializava em reclamar de tempestades herdadas de Bolsonaro. Haddad injetou uma dose de futuro no enredo ao informar para onde a gestão Lula planeja conduzir o transatlântico da economia. Ainda não há um documento que possa ser apalpado. Mas Haddad esboçou a bússola com o gogó. Vai na direção de gastos públicos menores do que as receitas, limitados a 70% do avanço da arrecadação. Déficit zerado em 2024. Contas no azul em 2025 e 2026. Fácil de prometer, difícil de executar.

Governistas torcem pelo melhor. Oposicionistas preveem o pior. No final, Lula aproveitará o que for capaz de entregar. Seu desempenho definirá o papel a ser desempenhado pelo antecessor. Bolsonaro encolheu. O tamanho do seu prestígio não pode ser medido, porém, pelo infortúnio de um dia. Mas o principal líder do arcaísmo nacional terminou a quinta-feira como um coadjuvante com um grande passado pela frente. Ficou momentaneamente mais próximo do cadafalso dos inquéritos do que do centro do palco. Apresentou-se como subordinado do ex-presidiário do mensalão Valdemar Costa Neto, a quem chamou de "nosso chefe".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

Josias de Souza 

Colunista do UOL

30/03/2023 

https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2023/03/30/bolsonaro-amarga-antiapoteose-no-retorno-e-perde-os-holofotes-para-haddad.htm

Postagens mais visitadas deste blog