Família Bolsonaro usa senador Do Val para desacreditar Alexandre de Moraes
Josias de Souza -
A denúncia de que Bolsonaro, sob inspiração do ex-deputado Daniel Silveira, tramou grampear Alexandre de Moraes para pescar uma indiscrição verbal que levasse à anulação da vitória de Lula veio do senador bolsonarista Marcos do Val.
Pendurado nas redes sociais de madrugada, um vídeo de Do Val caiu sobre a manhã ensolarada de Brasília como um míssil.
Em poucas horas, verificou-se que o enredo de Do Val foi elaborado à moda do inesquecível Chacrinha.
Não veio para explicar, veio para confundir.
No vídeo madrugador, o senador trombeteou revelação que sairia em notícia da revista Veja.
Nela, Do Val declara ter sido "coagido" por Bolsonaro em dezembro a participar de um golpe.
Utilizando escuta do Gabinete de Segurança Institucional, arrancaria de Moraes a admissão de que pisou fora da Constituição para prejudicar Bolsonaro.
Do Val avisou a Moraes sobre o plano de enviá-lo para a cadeia.
Adicionando dramaticidade ao vídeo, o senador renunciou ao mandato.
A ribalta do golpe rendeu a Do Val entrevistas em série.
O timbre ácido do acusador foi se tornando aguado.
A denúncia ganhou a aparência de uma trama da família Bolsonaro para desacreditar Xandão, como o bolsonarismo se refere ao presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal.
Entre um holofote e outro, o denunciante recebeu visita de Flávio Bolsonaro e telefonema de Eduardo Bolsonaro.
A dupla o demoveu da ideia de renunciar.
Os filhos 01 e 03 adulando um acusador do pai é coisa jamais vista.
Normalmente, preferem triturar os traidores.
Preservado, Do Val ajustou a prosa.
Sumiu do roteiro a ideia de coação.
Bolsonaro virou espectador de uma proposta de golpe verbalizada por Daniel Silveira.
A presença do GSI no lance virou uma "suposição" do denunciante.
De repente, um pulo do gato:
Do Val lembra que se reuniu com Moraes não uma, mas duas vezes.
Perguntou se deveria ir à reunião com Bolsonaro e Silveira.
"Informação é sempre bom", teria estimulado o ministro.
Posteriormente, após ouvir relato sobre o golpe, Moraes não tomou providências.
Nesse enredo, o algoz de Bolsonaro passa de potencial vítima de um grampo ilegal a juiz relapso, um reles prevaricador.
De resto, Do Val insinuou que dispõe de munição contra Flávio Dino, o ministro da Justiça de Lula.
Simultaneamente, o primogênito Flávio Bolsonaro foi ao microfone do plenário do Senado para confirmar, com hedionda naturalidade, que o encontro do pai com Do Val realmente aconteceu. Teria o objetivo de "demover pessoas que estavam nessa reunião de fazer algo inaceitável, absurdo e ilegal", declarou, lançando ao mar Daniel Silveira, agora um sem-mandato.
Por uma dessas fatais coincidências, o picadeiro montado por Do Val e pelos Bolsonaro ocorre num instante em que a Polícia Federal ouviu dois depoimentos.
Num, Valdemar Costa Neto, o dono do PL, partido de Bolsonaro, foi instado a explicar as "várias propostas" de minuta de golpe que diz ter recebido de desconhecidos.
Noutro interrogatório, Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, foi instado a explicar a origem da minuta de decreto presidencial prevendo intervenção no TSE, cancelamento da vitória de Lula e formação de uma junta de maioria militar para virar o resultado eleitoral do avesso.
Extraído de um armário durante batida policial na casa de Anderson, o documento menciona que a intervenção ocorreria depois do dia 12 de dezembro, data em que o TSE diplomou a chapa Lula-Alckmin.
A reunião em que Marcos do Val ouviu o plano de grampear Moraes ocorreu em 9 de dezembro.
Vivo, Chacrinha ficaria intrigado com uma confusão que, a pretexto de embaralhar as investigações, coloca Bolsonaro na cena do crime, convertendo-o num elo indissociável entre o plano de golpe e a minuta do decreto que consolidaria a virada de mesa.
Enxerga-se por trás do manto diáfano da desinformação a imagem do capitão costeando as grades de uma cela.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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