Daniel Silveira já gravou deputados "traidores" com aval de Bolsonaro
Madeleine Lacsko -
Parece infantilóide e inverossímil a ideia de fazer gravações escondidas do ministro Alexandre de Moraes para tentar dar um golpe de Estado.
No entanto, o ex-deputado Daniel Silveira já fez isso com os próprios colegas de bancada em ação coordenada com o então presidente Bolsonaro e seus filhos. Deu certo.
Estamos aqui diante de um método do bolsonarismo para assassinar reputações de quem questiona ou incomoda o líder inquestionável.
A pessoa é gravada em ação arquitetada pelo ilustre Daniel Silveira, essa gravação é editada de forma descontextualizada e jogada para a imensa rede de desinformação e Fake News cultivada pelo grupo.
Não há como saber se Jair Bolsonaro teria condições de viabilizar a tomada do poder por meio de um golpe com uma operação dessas.
Mas é fato que a operação feita em 2019 contra deputados do partido dele, o PSL, foi efetiva para que eles perdessem o poder político.
Vivemos o fenômeno da banalização do esquecimento.
Foi a ex-deputada Dayanne Pimentel (União-BA) quem me lembrou dos detalhes do caso, muito rumoroso à época.
A maioria das pessoas vai se lembrar quando houve o grande racha inicial do bolsonarismo.
No final do primeiro ano de governo, em 2019, acabaram se virando contra o presidente muitos de seus mais ferrenhos defensores, como Alexandre Frota e Joyce Hasselmann.
Não foram só eles.
Dentro da bancada do então PSL as reclamações já começavam a corroer o poder dos filhos do presidente e dele próprio.
A forma errática, para dizer o mínimo, de conduzir a política e as relações com parlamentares trouxeram um impasse.
Além disso, muitos dos parlamentares haviam defendido de forma aguerrida a bandeira contra a corrupção.
Vários eram lavajatistas de carteirinha.
Começavam a ver o próprio capital político corroído diante dos escândalos da família Bolsonaro e dos arreglos para que não fossem investigados.
Alguns começavam a procurar a imprensa e vazar notas.
O clima interno era pesadíssimo.
Eduardo Bolsonaro queria apear delegado Waldir da liderança do partido e tomar o lugar dele.
A bancada não queria.
A "negociação" que se seguiu, segundo o relato de vários deputados, era uma reunião com o presidente no Planalto.
Ele pedia que indicassem o próprio filho à liderança e concluía com algo como "assina aí, senão é meu inimigo". Nem assim adiantou.
Tiveram então a grande ideia: Daniel Silveira gravaria escondido uma reunião da bancada. Os áudios seriam recortados e distribuídos fora de contexto, para dar a impressão de que os próprios deputados do PSL estavam tramando um golpe contra Jair Bolsonaro.
O ex-deputado agora preso confirmou à época que se infiltrou na reunião para gravar e justificou dizendo que tinha o objetivo de "blindar" o presidente Bolsonaro.
Depois, negou que tivesse feito a gravação, falou que recebeu de alguém.
Depois, confirmou novamente que gravou, versão que manteve durante o processo em que foi condenado no Conselho de Ética.
A gravação mais famosa foi a do então líder da bancada Delegado Waldir.
Ele disse que iria "implodir" o presidente e chamou Jair Bolsonaro de vagabundo.
Vários outros gravados começaram a formar uma imensa lista de inimigos que queriam dar golpe em Jair Bolsonaro.
É o tipo de história que só cola com quem já abriu mão de viver na realidade, o bolsonarismo mais fanático.
Está justamente aqui o pulo do gato: desinformação não é disputa pela verdade.
A campanha de assassinato de reputações deu certo mesmo que a maioria da sociedade não tenha acreditado na versão.
A partir do momento em que o bolsonarismo elegeu "os traidores" como alvos, a campanha do assassinato de reputação deles é constante.
Quando as pessoas vêem alguém ser enxovalhado diariamente, passam a associar aquela imagem com algo ruim, negativo.
Pouco a pouco o capital político de todos os alvos foi corroído.
Nenhum se reelegeu, embora vários tenham levado um mandato em sintonia com as propostas e os discursos dos próprios eleitores.
Ainda não sabemos qual foi exatamente a trama envolvendo Daniel Silveira, Jair Bolsonaro, Marcos do Val e a tentativa de gravar Alexandre de Moraes, o maior obstáculo aos planos do ex-presidente.
Sabemos, no entanto, que o método já foi utilizado antes e por muito menos.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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