Omissão de Bolsonaro foi premeditada com propósito de impor desgaste a Lula
Josias de Souza - Colunista do UOL 27/11/2022 03h39... -
Há método e planejamento na inatividade que passou a caracterizar a Presidência de Bolsonaro desde a derrota no segundo turno da eleição.
A negligência é fruto de premeditação.
Compõe uma estratégia concebida com o propósito de acelerar o desgaste de Lula, forçando-o a se expor antes mesmo de tomar posse.
Na avaliação do Planalto, o plano funcionou.
Na última quinta-feira, um parlamentar bolsonarista enviou mensagem de WhatsApp para um ministro palaciano. .
Manifestou uma preocupação.
Anotou que "o silêncio e a reclusão de Bolsonaro criaram um vácuo de poder, que vem sendo ocupado por Lula".
Lamentou: "O presidente entregou de bandeja ao adversário o monopólio da iniciativa política".
Na resposta, o ministro tentou tranquilizar o aliado.
Referindo-se a Lula com termos pejorativos, escreveu: "Não se engane com o capitão. Ele nunca esteve tão ativo. Possui um roteiro. Empurrou o nove dedos dos píncaros da glória de uma vitória fraudulenta para o chão enlameado da rotina política.
Não existe ocupação de espaço. O que há é um acúmulo de desgastes. O ladrão ficou menor antes de tomar posse. Mantenha a calma."
Insatisfeito com os argumentos, o parlamentar telefonou para o ministro.
Insistiu no ponto de vista segundo o qual a inação de Bolsonaro favorece o protagonismo de Lula.
O interlocutor não deu o braço a torcer. Ao esmiuçar seu raciocínio, afirmou que a oposição acusava Bolsonaro de ter patrocinado uma "PEC Kamikase", estourando o teto de gastos.
Agora, recorre ao mesmo expediente, reivindicando do Congresso a aprovação de uma PEC que dá a Lula "licença para gastar R$ 200 bilhões."
O ministro lembrou que, durante a campanha, Lula acusou Bolsonaro de comprar o apoio do centrão com o orçamento secreto.
Dizia que o mecanismo seria substituído por "um tal de orçamento participativo".
Agora, negocia com o mesmo centrão, oferecendo a "blindagem" das emendas que chamava de fraudulentas.
Na expressão do ministro com escrivaninha no Planalto, Bolsonaro teria aplicado em Lula um "choque de realidade", desmoralizando a "narrativa moralista".
Por último, o ministro aconselhou o parlamentar a prestar atenção a um comentário feito dias antes por Paulo Guedes.
Ao participar de uma celebração do aniversário de 30 anos da Secretaria de Política Econômica, o titular da pasta da Economia enviara um recado mal educado para Lula: "Já ganhou, cala a boca. Vai trabalhar, construir um negócio legal. O desafio é grande, mas a oportunidade é maior."
Em essência, o governo transfere para Lula atribuições que, num mundo convencional, seriam de Bolsonaro.
Em campanha, o presidente trocara a responsabilidade fiscal pelo populismo eleitoral.
Entre os mimos que ofereceu ao eleitorado pobre, o principal foi a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600.
Disse que o benefício vitaminado seria permanente.
Mas enviou ao Congresso uma proposta de orçamento federal para 2023 que não inclui o adicional de R$ 200.
Criticado, Bolsonaro alegou que o orçamento seria revisto.
Sustentou que havia obtido de Paulo Guedes a garantia de que não faltariam recursos para atender aos brasileiros "mais vulneráveis".
Derrotado, o presidente cruzou os braços. E o Posto Ipiranga mandou Lula "trabalhar".
Como se reformulação de um orçamento crivado de inconsistências fosse atribuição de um sucessor que ainda não ocupa o trono.
Nesta segunda-feira, a 33 dias da posse, Lula desembarca em Brasília para dar continuidade à sua Presidência paralela.
Fará por necessidade o que Bolsonaro se abstém de fazer por obrigação.
Em reuniões com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, Lula tentará destravar a articulação para aprovar a chamada PEC da Transição.
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