Bolsonaro deixará uma herança maldita

 Valéria França

Edição 11/02/2022 - nº 2716  
O clima de polarização entre os dois maiores candidatos às eleições presidenciais, Luís Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, já dá indícios da turbulência esperada para este ano. Os analistas macroeconômicos são unânimes sobre as dificuldades a serem enfrentadas para conter a inflação em um cenário de economia estagnada, com gastos públicos aumentando a cada dia. Crítico da atual agenda econômica do governo, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, 46 anos, vai um pouco além nessa análise sobre as expectativas para 2022. Em entrevista à ISTOÉ, ele diz que Bolsonaro, empenhado apenas na reeleição, está comprometendo as contas públicas ao dar benesses para diversos grupos que o apoiam. Ele se refere ao Auxílio Brasil, à Bolsa Caminhoneiro e ao aumento do piso dos professores municipais. Segundo ele, as soluções que já não eram fáceis para colocar o Brasil nos trilhos, ficam cada vez mais difíceis de serem adotadas diante da irresponsabilidade crescente e da tensão política. “Desde o segundo semestre do ano passado, Bolsonaro tem praticado um populismo fiscal muito claro”, afirma Vale.

Quais são as perspectivas para a economia neste ano?
Temos duas frentes de dificuldades, o cenário da economia nacional e o internacional. Aqui, o IPCA (Índice Geral de Preços) fechou acima de 10% no ano passado e continuará a pressionar a inflação nos próximos meses. Um dos destaques é a alta do custo dos alimentos, que com as condições desfavoráveis do clima, vai pesar mais no bolso e na inflação. No cenário internacional, há a alta das commodities, como o petróleo, que está ligada às questões geopolíticas. Para conter a inflação, o Banco Central vai subir os juros em torno de 12%. Por isso, as projeções gerais de crescimento são muito próximas a zero. No mercado, há quem já esteja falando mesmo em recessão. 

Precisamos da reforma administrativa. Mas isso não vai acontecer, nem com Bolsonaro, nem com Lula 
A pandemia interfere nessa análise?
Sim. A Ômicron é um vírus agressivo, de rápido contágio. A grande quantidade de pessoas infectadas em curto espaço de tempo levou ao afastamento temporário de muitos trabalhadores. Isso impacta mais ainda a cadeia de distribuição e produção de insumos. Mais agora do que em 2021, no auge da Covid. Estamos lidando com o rescaldo de dois anos de pandemia, que impactou vidas, atividades econômicas e a inflação.

O IGPM (Índice Geral de Preços) de janeiro foi 1,82%. No mesmo mês de 2021, era de 2,58%. Essa queda é auspiciosa para o consumidor?
A inflação está menor, mas os riscos são maiores, porque ela está disseminada. No início do ano passado não havia expectativa de inflação alta. Ela começou a acelerar a partir do meio de 2021. No fim do ano, o IPCA fechou pouco acima de 10%. Portando, começamos 2022 mais pressionados. Mesmo assim, a perspectiva é de uma inflação menor, que deve fechar em 5%. Uma taxa ainda assim elevada, pois está acima da meta. Isso é um ponto de preocupação. Esse ano, além da alta da energia, subiram o transporte e os alimentos. Há um indicador de difusão da inflação, apontando que 75% dos itens compostos pelo IPCA aumentaram. O impacto da inflação específica em um segmento, como o da energia, é menor do que o da inflação disseminada. Digamos que hoje a situação é muito mais grave e preocupante do que se projetava no começo do ano passado.

Por que o senhor coloca a elevação dos juros como um desafio para o Banco Central?
Porque o Banco Central não tem apoio da política fiscal. Ele está sozinho. O governo tem estimulado os gastos pelo interesse eleitoral. Teremos um período de eleição muito complicado, que impedirá o câmbio de ajudar a diminuir a inflação. Há muitos elementos de risco, internos e externos, que dificultam a inflação a ceder com rapidez. O Banco Central sinalizou, na última decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), que vai fazer isso da forma mais lenta do que se imaginou: quer atingir a meta (que seria para esse ano) em 2023.

Isso quer dizer que o BC jogou a toalha para este ano?
Não. É uma estratégia para evitar a recessão. Ele vai levar a inflação para uma média de 5,5%. Para baixá-la ainda mais, para 3,5%, as taxas de juros teriam de ser ainda maiores. O BC pretende trabalhar no meio termo, baixando a inflação sem machucar tanto a economia. Se o custo do crédito fica mais alto, o consumo e o investimento diminuem. A ideia não é restringir tanto o consumo neste ano. 

Se o BC fosse atingir a meta, qual seria a taxa de juros?
Os juros deveriam ficar entre 14% e 15%, taxas que levariam o País a uma recessão maior do que a cogitada para 2022. Vamos lembrar que o Brasil começou a ter dificuldades econômicas em 2013 e, desde então, vem administrando problemas. A economia está fragilizada.

Qual a análise do senhor sobre a PEC dos Combustíveis elaborada pelo governo e pelo Centrão? Faz sentido criar um fundo de contenção de preços?
Soluções para contenção do preço do combustível não são simples. Elaborar uma PEC com a isenção dos impostos federais, sem considerar as taxas estaduais e municipais, principalmente ICMS, não faz sentido. Não vai acontecer, até porque os estados não vão embarcar e perder a arrecadação no ano de eleição. Além disso, existe uma questão, que eu acho bastante complicada, relacionada ao meio ambiente e às mudanças climáticas. Estamos falando de um combustível fóssil, que o mundo inteiro quer desestimular. Ao tirar impostos de forma permanente, cria-se um incentivo de longo prazo no segmento, que não era para ser incentivado. Tem questões macro que devem ser observadas. Uma boa parte dessa pressão sobre o combustível vem da forte depreciação da taxa de câmbio nos últimos dois anos. A base para o equilíbrio dos preços é ter uma política fiscal equilibrada, que levaria a uma taxa de câmbio menor, e agora não estaríamos discutindo preço de gasolina nesses patamares. Neste ano não vamos conseguir avançar. Soluções, no meio de um ciclo eleitoral tão tenso, devem mais agravar do que resolver a crise. O petróleo vai continuar pressionado por questões geopolíticas. Acabamos de ver o preço do petróleo chegar a US$ 90 o barril. Teremos de lidar com os preços altos dos combustíveis em 2022.

No lugar da PEC, o que o governo deveria fazer? 

Em vez de focar na questão tributária, específica do setor de combustíveis, o governo ajudaria muito mais se focasse na reforma tributária ampla, no âmbito federal e estadual. Mesmo que não fosse aprovada neste ano, as discussões poderiam avançar para que o próximo presidente chegasse como um projeto de reforma mais bem desenhado, para que fosse aprovado logo no início da nova gestão. Precisa ter esse pensamento de continuidade. Infelizmente, o Brasil trabalha com a descontinuidade. Quando começa um novo governo, tudo para. A reforma tributária deveria ser apartidária. Trata-se de uma questão econômica, que deveria ser amplamente discutida entre a sociedade e os legisladores.

Paulo Guedes ainda controla a agenda econômica?
Eu acho que nem tem muito sentido falar em agenda econômica no ano eleitoral. Estamos em fevereiro. Daqui a quatro meses, o Congresso praticamente para de trabalhar. Paulo Guedes sabe que não existe espaço para uma agenda econômica. Brasília está muito concentrada na disputa eleitoral. Nos últimos três anos, essa agenda econômica de qualidade não foi impressa pelo Executivo, mas pelo Legislativo. Quando as medidas saíram em conjunto foram bastante ruins. Um exemplo disso é a PEC dos Precatórios, que furou o teto de gastos. Acho melhor deixar como está para não piorar mais. Deveria haver um esforço mínimo para não piorar o déficit público. Não consigo ver avanços em um ano tão turbulento como teremos. 

Paulo Guedes sabe que não existe espaço para uma agenda econômica. Brasília está muito concentrada na disputa eleitoral 
Espera-se mais turbulências?
A turbulência será por conta da questão eleitoral. Essa disputa muito polarizada entre Lula e Bolsonaro, que a gente vai ver ao longo deste ano, traz riscos fiscais importantes. A gente está vendo o presidente querendo dar benesses para grupos da sociedade. Há pouco, ele sancionou o aumento para os professores da rede do ensino básico, que eleva o piso da categoria. Esse tipo de benefício que o governo federal dá, muitas vezes às custas dos próprios estados e municípios, tem viés claramente eleitoral e piora o resultado fiscal, já fragilizado. Isso alimenta a turbulência política. Bolsonaro sinaliza uma grande irresponsabilidade fiscal ao propor benefícios como esses aplicados desde o meio do ano passado. Há também muita incerteza em relação ao que seria a gestão fiscal do Lula. Por onde a gente olha, à direita ou à esquerda, as possibilidades não são boas.

Bolsonaro pratica o populismo fiscal?
Sim, ele tem feito um populismo fiscal muito claro. No ano passado, havia uma discussão concreta, que precisava ser feita em relação aos precatórios. Era uma questão legal, que precisava ser incorporada no orçamento de alguma forma. Algumas proposições foram feitas. Aproveitou-se a questão dos precatórios, que iria mexer na regra do teto, para incluir a medida eleitoral do Auxílio Brasil, sem pensar no que poderia ser ajustado para conseguir incorporar esse valor. A solução foi quebrar a regra do teto, ampliar os gastos, para fazer valer o desejo do presidente. Isso se repetiu em outras esferas, como a Bolsa Caminhoneiro e, agora, no aumento do salário dos professores. Tem um populismo fiscal crescente que, olhando o histórico do Bolsonaro, não é muito diferente do que ele sempre pensou. Ele teve um lampejo liberal, que não me parecia crível e se mostrou inconsistente desde que se elegeu. O populismo fiscal foi acionado como uma tentativa de reverter a baixa popularidade dele diante de um adversário mais forte, Lula. Bolsonaro deixará uma herança maldita para o próximo presidente.

Vai ser uma conta impagável?
As soluções que já não eram fáceis vão ser cada vez mais difíceis de serem adotadas. Quando Lula se elegeu pela primeira vez, o País estava numa situação muito melhor. Ele fez a Reforma da Previdência, que mirou em distorções do setor público, mas não teve intensidade maior. Agora, precisamos de reformas mais profundas no corte de gastos. Necessitamos da Reforma Administrativa. Mas isso não vai acontecer nem com Bolsonaro, nem com  Lula. Então, essa política fiscal nos próximos anos está sob risco muito grande. O que vemos é a esquerda sinalizando com o aumento de gastos. Lula fala em um aporte enorme de investimento público a partir de 2023 e deve eventualmente parar com as concessões. Se Lula ganhar, o ideal seria não mexer na regra do teto de gastos. Pela Constituição, isso terá de acontecer em 10 anos. Então, deixa isso correr até o último ano do próximo mandato e foca na Reforma Tributária. 
https://istoe.com.br/bolsonaro-deixara-uma-heranca-maldita/

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