'Não consigo fazer nada', reclama Bolsonaro. Pede para sair, presidente...

Leonardo Sakamoto

Colunista do UOL

05/01/2021 14h32

'"Chefe, o Brasil está quebrado, e eu não consigo fazer nada", afirmou Jair Bolsonaro, nesta terça (5), a apoiadores em Brasília. E, como sempre, culpou a imprensa. "Essa mídia sem caráter. É um trabalho incessante de tentar desgastar para tirar a gente daqui e atender interesses escusos da mídia", disse.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que um presidente da República é eleito para garantir qualidade de vida à população brasileira e não para combater fantasiosas "mamadeiras de piroca", lutar contra inexistentes conspirações de vacinas que transformam humanos em jacarés ou usar o cargo para proteger a família e os amigos. 

Se ele analisa que não é capaz de cumprir a função do cargo que ocupa, tirando o Brasil do atoleiro, o mais justo e honrado a ser feito é renunciar e dar lugar a quem saiba... 

A função da imprensa em uma democracia é fiscalizar o poder público. Destaque-se que todo governante tem direito ao livre espernear. Bolsonaro, porém, vai além é ataca sistematicamente o jornalismo e os jornalistas que não o chamam de "mito". 

Dito isso, a declaração é mais um capítulo do mimimi que ele usa para animar a tropa e distrair o resto do que realmente importa. 

Bolsonaro não assume responsabilidades. Eles as terceira... 

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), seu primogênito, é alvo de denúncia por desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa? Invenção da imprensa maldita. O Brasil contar 200 mil mortos na pandemia? Culpa de governadores e prefeitos. Desmatamento na Amazônia? Mentira de nações estrangeiras, de indígenas e, claro, de Leonardo DiCaprio. A narrativa construída por Bolsonaro, seus filhos e aliados é de que, apesar das evidências, eles não têm responsabilidade por nenhum dos seus atos. Sim, parece brincadeira, mas somos governados por inimputáveis.  

Bolsonaro tem um projeto sólido de governo: o da própria reeleição.

O plano nacional do governo federal para articular os diferentes atores da federação a fim de combater a covid-19 e adquirir vacinas antecipadamente em número suficiente para salvar vidas e proteger a economia tem o mesmo número de páginas do seu plano nacional para gerar empregos formais e proteger direitos: zero. Todas as energias são usadas para garantir que ele e sua família continuem no poder. E, quando há uma brecha, tentar lapidar o país à sua imagem e semelhança nas pautas de costumes e de comportamento. 

Além das vidas perdidas, Bolsonaro ajudou a detonar empregos. 

Como sua natureza beligerante o torna incapaz de coordenar o país em prol de um objetivo comum, ele não preparou o Brasil para a mais importante guerra de sua história. Abraçou o vírus, defendendo que a melhor forma de para-lo é deixando que ganhe. Se não tivesse jogado contra as quarentenas, elas teriam sido ainda mais efetivas e poderíamos ter retomado uma vida quase normal ao menos por um período de tempo. Foi ele quem ajudou a quebrar o país, deprimindo a economia e ceifando empregos. 

Bolsonaro vende miragens, contando que o povo coma ilusões... 

O presidente havia proposto R$ 200 de auxílio emergencial, mas o Congresso Nacional pressionou para que subisse esse valor. Ao longo de 2020, surfou na popularidade do benefício, que acabou em dezembro. Como sua gestão não tem projeto para a pandemia, nem para o emprego, o país ficou atolado nos 14 milhões: o total de famílias em extrema pobreza no cadastro único para programas sociais do governo federal ultrapassou 14 milhões e alcançou o maior número dos últimos seis anos. Ao mesmo tempo, o desemprego atingiu 14,3% no trimestre encerrado em outubro, com mais de 14 milhões procurando serviço sem sucesso 

.Agora, o presidente faz uma nova declaração para atiçar seus seguidores nas redes sociais, fomentar a indignação da imprensa e chamar a atenção de formadores de opinião a fim de permanecer em evidência neste momento em que chegamos à marca de 200 mil mortos pela covid-19.. 

Ao invés de apresentar um projeto decente de vacinação, fomenta na população a descrença na efetividade e segurança na vacina de forma a reduzir a demanda por ela - já são 22% que não querem se vacinar. Até porque ele não tem e, pelo visto, não terá imunizante para todo mundo. 

Na prática, quem é rico vai acabar indo para a rede privada e quem é pobre e não é do grupo prioritário terá que contar com a própria sorte. Isso não é livre mercado, mas consequência de um governante que decide não governar. 

Com isso, o Brasil se afundará ainda mais em desigualdade. A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.. 

Bolsonaro age para convencer o povo que ele não poderia fazer nada sobre isso, quando é ele o principal culpado. Infelizmente, ele vem tendo sucesso na empreitada, pelo que aponta as pesquisas de opinião. Por enquanto. 

"Chefe, o Brasil está quebrado, e eu não consigo fazer nada." Seria ótimo que ele não fizesse nada mesmo. Porque ele até faz muita coisa no sentido de reduzir o país a escombros. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/01/05/nao-consigo-fazer-nada-reclama-bolsonaro-pede-para-sair-presidente.htm


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