Depois de bomba e fome, crianças em Gaza agora morrem de frio
Depois de bomba e fome, crianças em Gaza agora morrem de frio
Entidades internacionais alertam que, depois de sofrerem com bombas e a fome, crianças em Gaza começam a morrer de frio. Dados divulgados pela ONU revelam que, em apenas um mês, oito recém-nascidos não sobreviveram à hipotermia e outros 74 menos morreram diante de um inverno duro que afeta a região.
Em 15 meses de conflitos, crianças e mulheres representam 70% dos 43 mil mortos em Gaza.
Um informe da ONU sobre a situação humanitária circulado entre governos na última sexta-feira (10) e obtido pelo UOL revelou que uma das mortes ocorreu com um bebê de 35 dias "devido ao frio e à falta de abrigo quente em Gaza".
De acordo com a entidade Médicos Sem Fronteiras, entre outubro e dezembro de 2024, a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Complexo Médico Nasser em Khan Younis admitiu 325 bebês, com "recém-nascidos e bebês prematuros com infecções respiratórias potencialmente fatais, desidratação e outras complicações".
A crise tem sido alvo de denúncias por parte das agências internacionais, acusando o governo de Benjamin Netanyahu de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Grupos como Anistia Internacional e Human Rights Watch falam em genocídio também.
De acordo com Mohammed Abu Tayyem, pediatra do Nasser, a ala pediátrica está registrando um aumento no número de crianças com bronquiolite aguda, pneumonia, infecções do trato respiratório superior e até mesmo exacerbações de asma brônquica. "O médico atribui esses casos crescentes ao clima rigoroso do inverno, às condições terríveis das tendas e aos suprimentos limitados de aquecimento, que tornam os bebês prematuros e de baixo peso mais vulneráveis à hipotermia", explicou o informe da ONU.
Ao comentar sobre a morte de pelo menos sete recém-nascidos devido à hipotermia em dezembro, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, alertou que "mais crianças estão em perigo" e que, embora "toda criança mereça um começo de vida saudável e seguro, as crianças de Gaza estão pagando o preço da guerra com suas próprias vidas".
A diretora executiva do UNICEF, Catherine Russell, reiterou que "o abrigo inadequado, a falta de acesso à nutrição e à saúde, a situação sanitária terrível e agora o clima de inverno colocam em risco a vida de todas as crianças em Gaza", sendo que os recém-nascidos e as crianças com problemas de saúde são especialmente vulneráveis.
No dia 3 de janeiro, a OIM (Organização Internacional para as Migrações) expressou "profunda preocupação" com o "impacto devastador das chuvas de inverno e das temperaturas congelantes sobre os palestinos deslocados em Gaza", acrescentando que as mortes trágicas devido à hipotermia ressaltam a necessidade crítica de abrigo e outras formas de assistência para alcançar imediatamente as pessoas na Faixa.
Na OIM, a estimativa é de que Gaza precise de 1,5 milhão de itens de abrigo de emergência para atravessar o inverno. Mas conseguiu apenas entregar 180 mil. O restante está em armazéns e pontos de entrada da região.
A entidade explica que "a capacidade limitada de carga nas passagens, os longos requisitos de coordenação impostos pelas autoridades israelenses para levar itens de abrigo para a Faixa de Gaza e a frequente rejeição de tais itens, juntamente com o alto risco de saques armados, continuam a dificultar seriamente a ampliação da assistência aos abrigos em Gaza para atender às necessidades de pelo menos 945.000 pessoas que precisam urgentemente de roupas térmicas, cobertores e lonas para proteger os abrigos da chuva e do frio".
Enquanto isso, as fortes chuvas e inundações continuam a afetar gravemente os locais de deslocamento e os abrigos improvisados, com a Defesa Civil Palestina relatando a inundação de 1.542 barracas em 30 e 31 de dezembro nas províncias de Gaza, Khan Younis, Deir al Balah e Rafah.
A entrega de kits para abrigar contra o inverno também sofre com atrasos nas aprovações das autoridades israelenses, procedimentos complexos e processos de liberação alfandegária na Jordânia, no Egito e em Israel, além de saques armados de suprimentos de ajuda.
De acordo com a ONU, há mais de um mês, cerca de 13.000 kits de roupas infantis estão aguardando a entrada em Gaza, vindos da Cisjordânia, e mais de 11.000 kits de roupas infantis já foram perdidos devido a saques.
Como resultado, apenas 19.000 kits de roupas infantis, de um total de 220.000 kits adquiridos, entraram em Gaza até agora e foram distribuídos aos grupos mais vulneráveis.
O levantamento revela ainda que, até o momento, apenas 72 tendas preparadas para o frio puderam ser importadas para a Faixa de Gaza como parte do plano de inverno da ONU. Outras 146 tendas adquiridas pelas agências ficaram retidas fora de Gaza por vários meses devido às contínuas restrições das autoridades israelenses à entrada de suprimentos educacionais. Atualmente, apenas 105.700 crianças, ou 16% do total da população em idade escolar, têm acesso a alguma forma de aprendizado em Gaza.
"Entramos neste ano novo carregando os mesmos horrores do ano passado - não houve progresso nem consolo. As crianças estão morrendo de frio", disse Louise Wateridge, da agência da ONU para refugiados palestinos, UNRWA, à UN News.
Alimentos escassos
A situação alimentar também continua grave. Cerca de 120.000 toneladas de comida, o que seria suficiente para fornecer refeições para toda a população por mais de três meses, permanecem retidas fora da Faixa.
As agências da ONU alertaram que, se não forem recebidos suprimentos adicionais, a distribuição de pacotes de alimentos para famílias famintas continuará extremamente limitada.
"Mais de 50 cozinhas comunitárias que fornecem mais de 200.000 refeições por dia às pessoas no centro e no sul de Gaza também correm o risco de fechar nos próximos dias", relatou Stephan Dujarric, porta-voz da ONU.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), até a semana passada, apenas cinco das 20 padarias apoiadas pela agência ainda estavam funcionando em toda a Faixa de Gaza.
Para poderem continuar funcionando, essas padarias dependem de entregas contínuas de combustível por parceiros do sul de Gaza.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis. https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/01/13/depois-de-bomba-e-fome-criancas-em-gaza-agora-morrem-de-frio.htm