Tarcísio, o 'moderado' mais radical que já se viu por aí

 



Políticos de direita gozam de certas benesses semânticas que não se estendem aos de esquerda. Enquanto Lula, mesmo depois de décadas de conciliação com o centro e a direita, continua sendo pintado como um radical que volta e meia estimula o “nós contra eles”, os verdadeiros extremistas têm a benevolência da imprensa.

Basta lembrar o tratamento dispensado a Jair Bolsonaro durante quase toda sua carreira política e em especial na campanha presidencial. Mesmo diante da apologia feita a torturadores da ditadura militar, defesa do assassinato de adversários políticos, estímulo à execução sumária por parte da PM, manifestações de misoginia, homofobia e racismo, veículos importantes da mídia brasileira — como a Folha de S. Paulo, por exemplo — resistiram a classificá-lo como um legítimo espécime da extrema direita.

Até mesmo as lorotas diárias que Bolsonaro emitia no cercadinho ou em discursos pelo Brasil quando era presidente passaram muito tempo sem ser classificadas pelo termo mais adequado: mentiras. Só depois de muitos meses a imprensa se rendeu à ideia de que o presidente do país era um cascateiro patológico e passou a tratá-lo como tal.

Fenômeno parecido ocorre agora com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Apesar de ter participado ativamente do tresloucado governo de Bolsonaro, de ter sido o representante bolsonarista na eleição estadual e de ter várias afinidades ideológicas com o chefe, o jornalismo convencionou tratá-lo como “moderado”.

Na forma, Tarcísio é realmente mais palatável. Tem a fala mansa, gestos contidos (a não ser quando dá marteladas em algum pregão da Bolsa), não ameaça jornalistas de agressão, e não expele perdigotos, como Bolsonaro. No campo político, age como conciliador e já teve vários encontros amistosos com Lula

No conteúdo, no entanto, é mais um que tem se mostrado afinado com a extrema direita, por mais que a imprensa se recuse a rotulá-lo assim.

Sob esse jeitão aparentemente mais comedido, o governador de São Paulo vai investir nas famigeradas escolas cívico-militares (em que policiais ganharão mais que os professores); sucateou as delegacias da mulher; acabou com a Secretaria de Pessoas com Deficiência; tem na Secretaria de Políticas da Mulher uma titular que é antifeminista e se coloca contra o aborto até em casos de estupro, entre outras barbaridades.

Mas Tarcisio se destaca negativamente mesmo é na área que a extrema direita brasileira vê como essencial: a segurança pública.

A nomeação de Guilherme Derrite, um apólogo da morte, para a Secretaria de Segurança Pública não deveria deixar dúvidas. Mas não faltam confirmações: a recusa em fazer os PMs usarem câmeras corporais, a promoção de policiais da Rota à cúpula da corporação e principalmente as 60 mortes em confronto com a polícia nas duas operações realizadas na Baixada Santista.

Em pouco mais de um ano de gestão, Tarcísio conseguiu transformar a polícia de São Paulo, que passava longe de ser padrão mas não estava entre as mais letais do país, em máquina de morte e desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos pobres. A ponto de ser denunciada à ONU.

Nesta sexta-feira (8), o governador avançou um pouco mais. Zombou dos parentes, amigos e defensores das vítimas da violência da PM que denunciaram as ilegalidades cometidas pelos fardados.

“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o governador ao jornalista Rodrigo Rodrigues, do G1.

A declaração desrespeitosa o torna um pouco mais parecido com o tosco Bolsonaro, algo que certamente deverá render dividendos políticos.

Basta, porém, que daqui a alguns dias volte a falar manso para que mais uma vez seja tratado como “moderado” pela imprensa.

Enquanto isso, o jornalismo lavajatista continua a tratar Lula, o político que conseguiu costurar uma das frentes mais amplas da história da política brasileira, como o radical que fomenta o “nós contra eles”.

E assim caminhamos para o buraco, como se estivesse tudo normal no Brasil.

https://iclnoticias.com.br/tarcisio-o-moderado-mais-radical-por-ai/

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