Parlamentares se unem para usurpar poder do STF e cassar decisões da Corte


Wálter Maierovitch
Colunista do UOL
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Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

STF (Supremo Tribunal Federal) está na alça de mira dos deputados. Tem até emenda para o Poder Legislativo adquirir maior competência e mais poder, de modo a interferir nas decisões do STF.

O parasita da solitária (teníase), a gerar apetite insaciável por verbas públicas do orçamento do Executivo e, agora, submissão do STF, instalou-se na Câmara dos Deputados.

Lula, chefe do poder Executivo da União, já cedeu —em troca de apoio político— à pressão do Legislativo e abriu os cofres aos deputados famélicos por verbas públicas. O Judiciário irá resistir, sem dúvida e vai precisar da habilidade político-institucional do seu novo presidente, Luís Roberto Barroso.

São Francisco de Assis

Para se ter ideia, até o loteamento de cargos diretivos da Caixa Econômica Federal está apalavrado com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), de apetite pantagruélico e lombrigas vorazes.

Esse tipo de troca-troca entre Legislativo e Executivo foi recorrente no governo Jair Bolsonaro (PL), e o respeitado jurista Almir Pazzianotto Pinto, em recente artigo no Correio Braziliense, desabafou: "Até quando a nata da vida política, a desiludida juventude, mulheres e homens de bem, consentirão que assim permaneça? É a pergunta que ouço nas ruas por onde passo".


No artigo, Pazzianotto recordou a célebre frase de São Francisco de Assis "é dando que se recebe", desvirtuada pela prática política, consoante certa vez admitiu o já falecido deputado Roberto Cardoso Alves, então nos quadros do PMDB.

O Judiciário não tem verbas a oferecer ao Legislativo. Mas este deseja controlar e reexaminar as decisões do STF. Em outras palavras, quer mais poder para reexaminar e cassar decisões do STF. Já temos bancadas unidas, como a dos ruralistas e a dos religiosos, de braços com parlamentares conservadores e com populistas de plantão.

Exibição de musculatura

No momento, um ativo grupo de deputados está pronto para apresentar e brigar pela aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para cassar decisões do STF (Supremo Tribunal Federal). Certamente, essa PEC será apelida de emenda constitucional da usurpação.


Segundo os deputados, diversas decisões do STF violariam a Constituição, a moral e os bons costumes. Tudo, frise-se, seria tratado por PEC, a fugir do veto do presidente da República.

O referido grupo de deputados está furioso porque o STF vem apreciando questões relativas às descriminalizações do aborto e das drogas. A esse grupo, volto a destacar, juntaram-se deputados da chamada bancada ruralista, inconformados com a derrubada do chamado marco temporal nas terras indígenas.

Para empolgar, os inconformados deputados usam surrados argumentos. A começar pela afirmação de a Câmara representar os cidadãos e que restaram eleitos pelo voto livre. Alertam que os 11 ministros do STF não são eleitos pelo voto popular. Lógico, esquecem, e aí está a legitimação, competir a indicação dos ministros do STF pelo presidente da República, eleito chefe da nação.

Outro argumento utilizado centra-se na invasão da competência legislativa, ou seja, o STF teria passado a legislar. A subtrair —alguns usam o verbo furtar— a competência exclusiva do Poder Legislativo federal.

Por enquanto, os deputados mostram os músculos com a obstrução da pauta da Câmara. Em paralelo, o deputado Altineu Côrtes (PL-RJ) propõe a formação de um núcleo institucional para deputados debaterem com ministros do STF as decisões já tomadas. Ou melhor, um núcleo para referendar ou cassar decisões do STF.

San-Suplice Treme

Com apoio na teoria do filósofo inglês John Locke, o jus-filósofo barão de La Brè e Montesquieu, morto em 1775, desenvolveu a teoria da tripartição fundamental dos poderes do estado: Legislativo, Executivo de Judiciário. E alertou para a independência e harmonia entre os poderes.


Na nossa Constituição existe a separação dos poderes conforme preconizado por Montesquieu e expressamente consta serem os poderes harmônicos e independentes.

A essa altura e dada a intenção de ser criada uma PEC de modo à Câmara reexaminar e cassar decisões do STF, os espólios de Montesquieu, guardados na igreja parisiense de Saint Saint-Suplice, devem estar a tremer de raiva, pelo besteirol vindo do Brasil.

No nosso sistema, o STF é o intérprete e o garante da integridade constitucional, por cláusula pétrea. Mudar isso, só por uma nova Assembleia Constituinte, nunca por PEC. Essa PEC pretendida representará algo flagrantemente inconstitucional: usurpação, volto a ressaltar.

Por outro lado, a proposta do mencionado Altineu Côrtes nada mais é do que intromissão descabida, ilegítima. Quando a Constituição fala em harmonia, significa em diálogos institucionais, pelos presidentes dos poderes. E diálogo institucional não significa possibilidade de reexame e cassação de decisão do STF, pois aí sucumbiria a independência entre os poderes.

No particular, o deputado Altino Côrtes delirou.

Barroso e o diálogo prometido

Muitas vezes, o STF invadiu, em face de omissão legislativa, o campo de atribuição do Poder Legislativo e, de se pasmar, chegou até a disciplinar o uso de algemas. Mas essa não é a regra. E o Parlamento, caso ocorra intromissão do STF, poderá, por projeto de lei aprovado, colocar as coisas no lugar.


O atrito entre poderes ocorre quando o STF é provocado a fim de declarar a inconstitucionalidade de normas positivas, como no caso da criminalização do uso lúdico e recreativo de drogas proibidas.

Nesse caso, é uma questão de saúde pública e afeta à liberdade individual, sujeita, portanto, a exame pelo STF, gostem ou não os deputados. E a criminalização é inconstitucional, a caber apenas sanções de ordem administrativas e não criminais. Assim sendo, está sendo legitima a atuação do STF.

A respeito do aborto, o STF também foi chamado a se pronunciar. Por evidente, não pode o STF negar-se a examinar a questão da constitucionalidade. Valores constitucionais fundamentais são afetados por inconstitucional legislação criminalizante do aborto.

Ao derrubar o marco temporal e estabelecer indenizações, nada mais fez o STF do que declarar, à luz da Constituição, a proteção de terras e acabar com a invenção do 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, para aniquilar com direitos de povos originários.

O ministro Barroso, atual presidente do STF, prometeu, na sua posse e na primeira entrevista, buscar o diálogo. Não prometeu Barroso, e nem poderia, abrir mão da independência e da competência do STF.

Barroso apontou uma saída, mas que precisa ser bem compreendida. Disse caber ao Legislativo —e se referia à insatisfação com decisões do STF— usar da competência constitucional e elaborar emendas e leis. Brincou até ao dizer caber ao Parlamento, e não ao STF, a palavra final.


Por evidente, Barroso não precisou alertar que a aprovação de emendas constitucionais, e de novas leis, estarão sempre sujeitas ao crivo do STF. E uma PEC, como sabe todo operador do Direito, pode ser declarada inconstitucional: inconstitucionalidade dentro da própria Constituição.

Pano rápido

O Legislativo, pelos superpoderes conquistados por Arthur Lira, que foi uma espécie de primeiro ministro no governo Bolsonaro e consegue as chaves de pressão para abrir os cofres com Lula, não está acima dos demais poderes.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


OLHAR APURADO

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