'Esse foi o grande problema', diz Cid sobre joias sauditas em mochila


'Esse foi o grande problema', diz Cid sobre transporte de joias em mochila

Juliana Dal Piva
Colunista do UOL
Michelle Bolsonaro ironizou notícias sobre conjunto de joias de diamantes
Michelle Bolsonaro ironizou notícias sobre conjunto de joias de diamantes Imagem: Reprodução

Ao comentar um tuíte sobre o fato as joias sauditas terem entrado de modo clandestino e, depois acabarem apreendidas na Receita Federal, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou que esse "foi o grande problema".

O colar de diamantes e o Kit Rose Gold foram presenteados pelo governo saudita à Presidência da República do Brasil, em outubro de 2021. Depois, a comitiva do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, chegou com os itens no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. O colar de diamantes ficou retido na Receita Federal. Já o Kit Rose Gold, com o relógio da marca Chopard, entrou clandestinamente em uma mochila de um assessor do ministro.

Cid escreveu a mensagem no dia 4 de março deste ano em uma conversa com o advogado e ex-secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten.

O ex-ajudante de ordens fez menção ao "grande problema" do caso junto a um tuíte de um perfil de humor que mencionava que caso as joias fossem um presente elas estariam uma mala diplomática e que constaria o registro do presente ao Estado. Ao final, a mensagem questionava o motivo de alguém trazer "escondido na mochila".

No domingo, a coluna revelou que, ao falar das joias, Cid chegou a admitir, em 5 de março deste ano, que os itens eram de "interesse público, mesmo que sejam privados". Ele ainda tirou fotos de imagens da Lei 8.394 e sublinhou o trecho em que a norma descreve que, em caso de venda, a União teria preferência.

A menção de Cid ao fato das joias serem "bens de interesse público" contradiz o movimento recente da defesa de Jair Bolsonaro que chegou a pedir a devolução das joias ao TCU alegando que os itens pertenceriam ao ex-presidente.


Em conversa com o advogado e ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, dois dias depois do jornal O Estado de S. Paulo revelar a entrada ilegal do colar de diamantes e da existência de um segundo kit de joias, o Rose Gold, Cid demonstrou nervosismo ao verificar que a imprensa descobriu o episódio.

"Parece que hoje deu uma acalmada", escreve Cid a Wajngarten no início da manhã de 5 de março. O advogado responde "magina" e encaminha a reportagem da Folha mostrando o recibo do kit do Rose Gold, que entrou no Brasil sem declaração em outubro de 2021.

Cid lê a mensagem e diz: "caramba!!". Na sequência, ele começa a responder uma série de perguntas de Wajngarten sobre o relógio. Cid envia uma cópia do recibo e, às 9:21, responde por áudio.


"Esse segundo relógio é o que tá aí. É o mesmo tratamento que seria dado ao primeiro. Foi entregue o relógio e deu entrada no acervo. A mesma coisa que foi feita no primeiro ia ser feita no segundo", afirma Cid. O ex-ajudante de ordens não esclarece no áudio qual seria o primeiro relógio ou se está fazendo referência ao primeiro kit de joias citado nas reportagens que trata do colar de diamantes e das joias femininas.

Mas a conversa entre os dois continua e Wajngarten questiona sobre o segundo kit: "Quem entrou com esse? O Bento?". Cid responde apenas: "Não sei". Na sequência, o ex-ajudante de ordens, começa a enviar uma série de mensagens sobre a legislação do acervo de presidentes e tratamento de presentes.

Entre as imagens enviadas, Cid encaminha uma da Lei 8.394, de 30 de dezembro de 1991, e a foto vem com um círculo verde no trecho "I - em caso de venda, a União terá direito de preferência". Depois ele tenta ligar quatro vezes para Wajngarten entre 11h31 e 12h48, mas não é atendido pelo advogado.

Cid, no entanto, não menciona em momento algum das mensagens que o relógio tinha sido levado por Bolsonaro no avião presidencial no fim de dezembro de 2022 para os EUA e que o kit tinha sido colocado à venda em Nova York. O ex-ajudante de ordens também não escreve que tinha mandado o relógio retornar ao país depois de ser orientado por outro assessor de Bolsonaro, o coronel Marcelo Câmara, sobre irregularidades na venda.

"Interesse público"

Horas mais tarde, às 17:12 do dia 5 de março, os dois voltam a trocar mensagens e Cid diz que não existiria legislação sobre o tema o que, para ele, permitiria que Bolsonaro ficasse com as joias.


"São bens de interesse público. Pergunta para eles se os ben (sic) de Collor, FHC, Lula e Dilma pagaram algum imposto?", escreve Cid. Wajngarten diz: "Não é isso".

O advogado então questiona Cid onde está o relógio e Cid diz que estaria no "acervo do Pr", em referência ao acervo de Bolsonaro. Wajngarten então escreve a Cid: "Não existe culpa ou absolvição pela comparação simples".

No dia anterior, em 4 de março, Cid chegou a dizer a Wajngarten que não sabia onde estava o acervo de Bolsonaro. Esta data também é a mesma em que a PF (Polícia Federal) acredita que o relógio retornou dos EUA devido a uma outra troca de mensagens entre Cid e o segundo-tenente Osmar Crivelatti. Ao saber que o kit já estava em mãos do antigo subordinado, Cid escreve: "ufa".

TCU

Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) estabeleceu normas mais precisas sobre a Lei 8.394 e determinou que os presentes, mesmo que entregues em evento oficial, devem ir para o da União, em vez de virarem patrimônio particular do presidente após o fim do mandato.

Antes disso, usava-se a interpretação de que o que era entregue em cerimônia podia ficar com os mandatários. O presidente até pode usar os presentes enquanto estiver no cargo, mas, ao fim do mandato, só pode levar itens considerados "personalíssimos" que são roupas, alimentos e perfumes. A PF apura um esquema de desvio de presentes dados à Presidência e desviados para o patrimônio pessoal de Jair Bolsonaro.

"O pior é que está tudo documentado"

No sábado, a coluna revelou outro diálogo entre os dois. Cid enviou, às 19h36, do dia 3 de março, a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo que revelava que as peças, avaliadas em cerca de R$ 5 milhões, foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos, em 2021, com um assessor do ex-ministro de Minas Bento Albuquerque e que o ex-presidente tinha tentado recuperar os itens antes de viajar para os EUA, em dezembro de 2022.

Após receber a reportagem de Cid, Wajngarten escreve ao militar: "Eu nunca vi tanta gente ignorante na minha vida". No diálogo, porém, não fica claro a quem o advogado se refere.

Cid então responde a Wajngarten: "Difícil mesmo. O pior é que está tudo documentado".

De acordo com as mensagens, o advogado Fábio Wajngarten passou a defender a entrega das joias para o TCU a partir do dia 7 de março. Ao comentar uma reportagem que mencionava que o kit estava guardado em um galpão, Wajngarten escreve a Cid: "Acho que tínhamos de disponibilizar o bem imediatamente através do advogado". Naquele momento, Cid manifesta apoio: "Perfeito!". Em 9 de março, Wajngarten escreve novamente a Cid: "Tem que devolver imediatamente. É impressionante como ninguém pensa".

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.


OLHAR APURADO

Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário. https://noticias.uol.com.br/colunas/juliana-dal-piva/2023/09/04/bolsonaro-mauro-cid-kit-joias-sauditas-apreensao-receita-grande-problema.htm 



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