Ironia será Bolsonaro, que prefere cash, ser incriminado por Pix


Leonardo Sakamoto
Colunista do UOL

Considerando que Bolsonaro nunca gostou muito de DOCs e TEDs, preferindo comprar imóveis e pagar contas usando dinheiro vivo para voar abaixo do radar dos órgãos de fiscalização, será uma ironia gigantesca se ele for pego cometendo crimes exatamente por conta de um Pix.

Jair recebeu mais de R$ 17 milhões em suas contas que ele alega serem Pix de apoiadores para pagar multas e processos decorrentes das eleições. Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) aponta para 769 mil transações.

Em entrevista ao UOL, nesta sexta (25), o delegado-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, afirmou que está verificando se os valores são realmente doações ou se a campanha de arrecadação foi usada para incluir recursos oriundos de fontes ilegais. Como, por exemplo, dinheiro de vendas de joias que pertencem ao patrimônio do país ou de desvios do cartão corporativo.

"Há possibilidade legal do bloqueio [dos valores], sim, se houver qualquer suspeição de que não sejam transações normais, que levantem alguma margem de desconfiança", afirmou ao UOL.

Existe quem não confie no sistema bancário e opte por guardar seu dinheiro em colchões e potes de arroz. Outros contam com tantas dívidas que abandonam suas contas correntes - que se tornam buracos negros, engolindo qualquer depósito instantaneamente. Sem contar o naco dos trabalhadores informais que dá às costas à tributação por sentirem que não devem nada ao país lhe deu às costas primeiro.

E há a família Bolsonaro. E o seu ex-faz-tudo, o tenente-coronel Mauro Cid.


Mauro Cid não fazia Pix, DOC, TED, nem transferência bancária. Não que ele desconhecesse como usar um aplicativo de banco, mas, ao que tudo indica, a primeira-família não conseguiu largar o antigo hábito de usar dinheiro vivo, mais difícil de ser rastreado.

"Eu faço depósito, eu não faço transferência bancária, não." Essa declaração está em uma safra de mensagens do celular do tenente-coronel, revelada por Aguirre Talento, no UOL, em maio deste ano, uma resposta a uma assessora da então primeira-dama que deu a ele os dados de Pix para pagamento do veterinário do pet e da podóloga da patroa.

Em outra mensagem, uma assessora diz que Michelle Bolsonaro solicitou R$ 3 mil e que se não fosse possível depositar na sua conta, um mensageiro iria buscar. Algumas horas depois, Cid enviou um comprovante de depósito em dinheiro. Em ainda outra, ele pede a outro militar que trabalhava com ele, o tenente Osmar Crivelatti, que fosse feito um depósito de R$ 4,9 mil para a "Dama".


A família Bolsonaro disse que a origem dos recursos era a conta pessoal do então presidente e que eles preferiam fazer transações em dinheiro vivo para preservar o anonimato e a segurança. A Polícia Federal, contudo, avalia que grana pública pode ter bancado os gastos da família.

"O conjunto probatório colhido durante o estudo do material apreendido (inclusive o contido em nuvem) permite identificar uma possível articulação para que dinheiro público oriundo de suprimento de fundos do governo federal fosse desviado para atendimento de interesse de terceiros, estranhos à administração pública, a pedido da primeira-dama Michelle Bolsonaro, por meio de sua assessoria, sob coordenação de Mauro Cid", aponta trecho de relatório da PF.

Já não era novidade que Mauro Cid fazia pagamentos na boca do caixa em dinheiro vivo em nome da família Bolsonaro. A imprensa vinha denunciando essa situação, como a Folha de S.Paulo e o portal Metrópoles. As mensagens e os áudios, no entanto, reforçaram que o escândalo pode ser mais uma porta de entrada da família para o sistema penal.

Enquanto empresas e sociedade usam e abusam de transferências bancárias e do PIX, não tendo receio de que suas movimentações estejam registradas para a fiscalização, eles tentavam encobrir os rastros. Em outra conversa entre assessoras: "Perguntei para ela se ela [Michelle] queria transferir PIX, né? Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito".

Vale lembrar que Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do UOL, mostraram em uma investigação de sete meses e milhares de documentos, que 51 imóveis do clã foram adquiridos total ou parcialmente com dinheiro vivo - recursos que podem ter surgido das "rachadinhas", como ficaram conhecidos os desvios de salários dos servidores.

Mas Mauro "Caixa Eletrônico" Cid atualizou as antigas denúncias de desvio de salários de servidores dos gabinetes da família em algo mais chique: o uso de dinheiro da Presidência da República. E que as funções de saque e depósito de Fabrício Queiroz, antigo faz-tudo da época em que o presidente era deputado federal, ficaram a cargo de alguém mais graduado, um tenente-coronel.


E de seu pai. Afinal, o general Mauro Lourena Cid foi pego em uma conversa com o filho, dizendo que tinha 25 mil doletas para entregar ao amigo Bolsonaro. Ao que tudo indica, eram fruto da venda de joias que pertencem ao povo brasileiro e foram surrupiadas por Jair.

Todos os escândalos financeiros do clã Bolsonaro convergem sempre para este ponto: o uso de dinheiro vivo para tentar ficar abaixo do radar dos mecanismos de controle de transações financeiras, sugerindo que os recursos envolvidos são ilícitos ou que o processo envolve algum tipo de lavagem.

Será irônico, portanto, se a PF encontrar uma tentativa de lavar dinheiro ilegal em qualquer um dos Pix feitos para Bolsonaro. Considerando que o roteirista desta sitcom chamada Brasil é alguém extremamente criativo, esse duplo twist carpado não é impossível de acontecer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL


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