Bolsonaro quer de volta joias dos brasileiros:



Colunista do UOL
Jair Bolsonaro recebeu um terceiro conjunto de joias da Arábia Saudita; estojo inclui relógio cravejado de diamantes da Rolex Imagem: Evelyn Hockstein / Reuters / Reprodução / Rolex

Animado com o teor da defesa técnica divulgada, o ex-presidente Jair Bolsonaro anunciou disposição de pleitear a restituição ao seu patrimônio privado das joias e relógios recebidos na condição de presidente da República.

A inclinação argentária de Bolsonaro voltou a falar mais alto. Como se sabe, para qualquer argentário importa em primeiro lugar o poder da riqueza e do dinheiro.

No caso, a riqueza e o dinheiro levaram Bolsonaro a deixar de lado, em segundo plano, as sólidas suspeitas de ser autor de consumados crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Bolsonaro já deve estar a pensar num habeas corpus, em face da ausência de justa causa, para trancar as investigações promovidas pela Polícia Federal e em curso no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em outras palavras, Bolsonaro sente-se legítimo proprietário das joias e relógios recebidos de presente.

Na sua visão, os mimos recebidos são bens personalíssimos, Chega a invocar a lei ordinária e a sua regulamentação. E destaca não dever prevalecer o entendimento, dado com invasivo e ilegal, do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo.

No particular, a visão de Bolsonaro é míope, curta e interesseira. Isso porque não analisa os fatos à luz do sistema democrático constitucional. Fala em leis, mas nem toca na nossa lei maior, a Constituição.

Pela nossa Constituição democrática e republicana da "res publica" (coisa pública), Bolsonaro, como presidente, era um representante do povo.

Representante é o mesmo que mandatário, ou seja, um procurador do povo brasileiro.

 Nesta condição, recebe presentes de países estrangeiros em nome dos cidadãos brasileiros.

Não em nome privado. 

Presentes valiosos, riquezas, são dadas aos brasileiros e não ao Jair.


Como o estado nacional é soberano, não abre a nossa Constituição brecha para o mandatário do povo ser cooptado, ou corrompido indiretamente, por presentes valiosos.

Juridicamente, não dá para se deixar de estabelecer a correlação entre o rico mimo e a figura do mandatário do povo brasileiro. 

Com isso, evita-se constrangimento ou vinculação emotiva.

A historiografia consigna o escândalo a envolver o ex-presidente francês Valéry Giscard d'Estaing. Ele recebeu de presente uma fortuna e a considerou de sua propriedade privada: um esmerado saco de veludo contendo no seu interior diamantes lapidados e puros.

O presente ao então presidente francês (mandato de 1974 a 1981) foi entregue pelo autoproclamado imperador centro-africano Jean Bédel Bokassa, também conhecido por Bokassa 1º. O país centro-africano havia sido colônia francesa com o nome de Oubangui Chari e se tornou independente em 13 de agosto de 1960.

O escândalo dos diamantes levou D´Estaing a perder a reeleição. Pior, faleceu aos 94 anos com odor de corrupto.

Em resumo. No Brasil, por força do seu sistema constitucional democrático e republicano, o presidente apenas pode incorporar ao seu patrimônio pessoal presentes de valor econômico insignificante, com finalidade de marcar memória. Por exemplo: livros, fotografias, medalhas. Um litro da bebida produzida no país como, por exemplo, o vinho português do Porto, o Xerez espanhol, a vodca russa ou a polaca.


Como ensinava o saudoso constitucionalista Giovanni Sartori, a palavra democracia, de origem grega, vem de "demos", a significar povo, e de "kratos", no sentido de poder. 

De modo que, concluía Sartori, numa democracia é o povo que comanda por seus representantes.

Daí e logicamente, riquezas recebidas como presentes por Bolsonaro integraram o patrimônio público, ou melhor, pertencem à União.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


OLHAR APURADO

Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/walter-maierovitch/2023/08/24/bolsonaro-quer-de-volta-joias-dos-brasileiros-seu-bolso-em-primeiro-lugar.htm




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