Nossa guerra é no fundão da Amazônia, e é lá que Forças Armadas devem estar
Balaio do Kotscho
"É um cenário de guerra", constata o novo secretário nacional de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, na Casa do Índio, de Boa Vista (RR), para onde os yanomamis resgatados esta semana com desnutrição crônica estão sendo levados em helicópteros e aviões da FAB. Em quatro anos de governo Bolsonaro, 570 crianças morreram de fome por falta de assistência. Isso não é chamado de genocídio?
Ao que parece, finalmente, as Forças Armadas descobriram que a nossa guerra não é em volta dos quartéis nas cidades e nas redes de vôlei de praia. É pela sobrevivência dos povos originários, nos fundões da Amazônia invadida por garimpeiros clandestinos e organizações criminosas de todo tipo, que encontraram as fronteiras abertas e campo fértil para passar a boiada de Bolsonaro & Salles, e dizimar aldeias inteiras, cortando-lhes o fornecimento de alimentos e remédios.
Na reportagem "Apuração da PF sobre crise yanomami pode chegar a Bolsonaro e ex-ministros", de Reynaldo Turollo Jr. e Laisa Dall´Agnol, a mais completa que já li sobre essa catástrofe humanitária escondida na selva, que agora foi revelada ao mundo, após a visita do presidente Lula ao território, fica claro que não se tratou de mera omissão por desconhecimento e inépcia do governo, mas de uma ação coordenada contra os povos indígenas, tratados como inimigos do país.
Pode chegar, não; certamente, a Justiça chegará um dia para eles. Basta ler a reportagem completa.
"Um ano e três meses antes de o governo federal declarar, no último dia 20, emergência de saúde pública na Terra indígena Yanomami, a maior do país, procuradores do Ministério Público Federal alertaram a gestão Jair Bolsoanro e pediram providências sobre a crise humanitária que se desenhava na área, com o aumento rápido de mortes de crianças, desnutrição e malária _ tudo agravado pela presença recorde de garimpeiros", relata a abertura da longa reportagem.
Em novembro de 2021, o MPF mostrava que a taxa de mortalidade infantil saltara de 88 por mil nascimentos, em 2019, para 133,3 dois anos depois, dez vezes maior do que o índice médio do país de 13,3. O que mais impressionou os procuradores foi encontrar um pelotão do Exército a poucos quilômetros do garimpo ilegal.
"Os soldados assistem à movimentação dos invasores sem fazer nada, por falta de ordens do comando em Brasília. Em audiências, militares deixavam claro que só atuariam contra os invasores por decisão judicial", informa o texto da Veja.
Foram inúmeras as decisões judiciais, até do Supremo Tribunal Federal, mas as ordens do comando nunca vieram, a não ser para proteger o maquinário dos garimpeiros e afrouxar a fiscalização do Ibama e da Funai, que foram literalmente destruídos pelo governo anterior.
No auge da crise humanitária, o governo e seus generais estavam mais ocupados em encontrar um jeito de permanecer no poder, mesmo perdendo a eleição, arrostando o Poder Judiciário e colocando em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.
Consumada a derrota, fecharam estradas e montaram acampamentos golpistas nos quartéis que seriam mais úteis na Amazônia do que em Copacabana e Brasília, até desfechar o "putsch" de 8 de janeiro na tentativa frustrada de derrubar o governo com a ação de um bando de vândalos.
Enquanto isso, indígenas continuavam morrendo sem comida nem água potável, com seus rios envenenados de mercúrio e a malária contaminando praticamente a metade dos 22 mil yanomamis, todos desarmados, enfrentando sozinhos a invasão de mais de 30 mil garimpeiros, que além de armamento pesado contam com o apoio de uma crescente frota de aviões e helicópteros.
Essa é a nossa guerra. Depois de criar o Ministério dos Povos Originários e decretar emergência na saúde pública da Terra Indígena Yanomami, a maior do país, reconstruir a Funai e o Ibama, o novo governo precisa dar uma ordem de comando para que as Forças Armadas permaneçam na região por tempo indeterminado, após a expulsão dos garimpeiros invasores, para que não voltem, prestando assistência permanente aos indígenas isolados.
Se isso for feito, ninguém mais vai falar em acabar com as Forças Armadas, que se tornarão necessárias, para proteger a nossa soberania, a floresta e a vida na Amazônia.
Vida que segue.
https://noticias.uol.com.br/colunas/balaio-do-kotscho/2023/01/28/nossa-guerra-e-no-fundao-da-amazonia-e-e-la-que-forcas-armadas-devem-estar.htm