Chamo a "PEC da gastança" de "PEC da Responsabilidade Orçamentária"

 

Reinaldo Azevedo - Folha: 


"Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho". É Machado de Assis em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", no capítulo intitulado justamente "A ideia fixa". O trecho acima é o mais citado, tanto quanto Machado ainda é referência, mas o sentido moral da metáfora se revela na conclusão daquele pequenino texto, e o mesmo farei eu nesta coluneta modesta, posto que, de Machado, não tenho "nem os transes da ventura nem os dons do pensamento". O governo Lula, a 15 dias ainda da posse, será malsucedido de tantas e tão distintas e combinadas (e descombinadas) maneiras, assegura-se quase unanimemente na imprensa — e com muita ênfase nesta Folha —, que quase não sei como continuar estas mal traçadas sem me afundar na "tinta da melancolia", sem disposição até para a "pena da galhofa" porque não há graça em rir quase sozinho de si mesmo.

(...)
Esta Folha chama a PEC da Transição de "PEC da gastança" -- sem as aspas, e não restaria, pois, a menor dúvida de que se estaria a tratar de algo objetivo, como a sustentar, sem contradita possível, que "O Natal é no dia 25 de dezembro". Convenham: se o sujeito insiste em que é no dia 26, deve estar ruim da cabeça, reivindicando o direito a ter seu próprio calendário. Ou, então, põe-se todo dia de joelhos, rezando com a cabeça voltada para a Unicamp... Eu chamava a natimorta (enquanto escrevo) de "PEC da Responsabilidade Orçamentária", com aspas, mesmo havendo na expressão mais do que solipsismo aritmético. Dos R$ 145 bilhões reivindicados, R$ 70 bilhões vão compor o Bolsa Família. À Saúde, a despeito da fila do SUS, reservam-se, no ano que vem, R$ 16,6 bilhões a menos do que neste 2022, com o programa Farmácia Popular à míngua; à Educação, que não paga residentes e deixa as universidades sem ar, sem luz, sem razão, um decréscimo de mais de R$ 4 bilhões. Para o Minha Casa Minha Vida, sobraram espetaculares R$ 34 milhões...
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Com a fascistada à solta e dado o esforço que noto aqui e ali de normalizar os inimigos da sociedade aberta como se constituíssem parte aceitável do espectro ideológico, torço para que os sensitivos do desastre estejam errados. Saberemos. E, então, de volta a Machado. A ideia fixa é uma "bandeira grande". E ele nota: "Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem?". Quem não sabe?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2022/12/16/folha-chamo-a-pec-da-gastanca-de-pec-da-responsabilidade-orcamentaria.htm

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