Mercado quer que Lula cometa estelionato eleitoral e abrace teto de gastos?



Leonardo Sakamoto 

Lula passou a campanha afirmando que, caso eleito, acabaria com o teto de gastos e criaria outra âncora fiscal ou reformaria a regra para excluir gastos sociais e investimentos. 

Agora, ele repete isso e o dólar dispara e a bolsa desaba. 

O que o mercado quer? Que o novo presidente cometa um estelionato eleitoral 11 dias após o segundo turno?

É verdade que o petista não detalhou o que pretende para a economia, mas deixou claro o que não pretende. 

E o projeto que saiu vitorioso das urnas, com 50,9% dos votos, prometeu mudar a regra que limitou por duas décadas o crescimento de gastos públicos à inflação.

 Pelo menos para fazer caber o combate à fome, além de garantir merenda decente e remédio para pobres.

No dia 14 de outubro, por exemplo, Lula foi bem claro no Recife: "vou acabar porque o teto de gastos representa os interesses do setor financeiro".

O mais interessante é que o projeto que saiu derrotado, com 49,1% também apontou que, do jeito que está, o teto não dá.

No dia 26 de outubro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu que o governo Jair Bolsonaro desrespeitou a regra do teto de gastos: "furamos o teto porque ele foi muito mal construído".

Não foi lapso, pois no dia 20, ele já havia dito que "o teto foi mal construído, não tinha chaminé". E completou: E se a casa estiver pegando fogo? Para onde sai a fumaça". Também disse que o teto "é burro" e "está impedindo de transferir dinheiro para os mais pobres".

Naquele dia, o dólar não subiu, mas caiu de R$ 5,27 para R$ 5,22.

Outro motivo apontado para o nervosismo é que a equipe econômica não foi apresentada, que ainda não há planos e metas, que Geraldo Alckmin não será ministro da Economia/Fazenda, que talvez Fernando Haddad seja, que não se sabe quanto poder os liberais terão na configuração...

Lula já viveu uma turbulência há 20 anos, na eleição de 2002, e não vai apressar o passo por conta da pressão do mercado financeiro. 

Ele fala sério quando diz que não definiu os nomes.

Diante disso, os investidores e empresários sérios podem se acalmar, uma vez que seu governo será mais previsível e estável que o de Bolsonaro - estabilidade que significa também responsabilidade com os mais pobres, pois o contrário criará uma turbulência incontrolável em um país em que 33 milhões passam fome.

Ou se deixar levar pelo caos perpetrado pelos especuladores, que querem ganhar dinheiro com a momentânea indefinição.

Além do teto de gastos, Reforma Trabalhista também trará ranger de dentes

E esse não á único tema polêmico que vai provocar outra síncope no mercado e em parte do empresariado que se acostumou com a facilidade que é negociar com sindicatos enfraquecidos. 

Também há a questão da busca pela revisão da Reforma Trabalhista, que será discutida pela transição.

Se Lula quiser garantir qualidade de vida aos trabalhadores, precisará comprar brigas para tentar rever regras. 

Digo "tentar" porque isso dependerá do tamanho do apoio que terá no Congresso e de sua capacidade de negociar com o centrão.

 Convenhamos que é uma tarefa difícil porque a Câmara, pelo menos na atual legislatura, não é pró-trabalhador. Mas a expectativa de sua base é que ele, ao menos, não se omita de tentar.

O assunto da Reforma Trabalhista retorna, de tempos em tempos, quando o Congresso Nacional tenta aprovar um novo pacote de mudanças - como aquele escondido na forma de "jabuti" dentro da Medida Provisória 1045. Aprovada pela Câmara, acabou rejeitada pelo Senado em setembro do ano passado.

Desta vez, reapareceu em meio ao debate eleitoral.

 Após Lula ressaltar, no dia 4 de janeiro, a importância da contrarreforma que vem sendo tocada pelo governo espanhol para reverter a precarização das regras trabalhistas ocorrida por lá, em 2012, e o PT colocar o tema como um dos desafios de um possível terceiro mandato do ex-presidente, os arquitetos da reforma vieram a público defender sua obra.

Justo. Quem pariu esse prédio desabando que venha a público defende-lo.

O ex-presidente Michel Temer, pai da criança, foi um deles. 

Foi desmentido em artigo publicado por oito centrais sindicais, assinado pelos presidentes da CUT, da Força Sindical, da UGT, da CTB, da NCST, da CSB e da Pública, Central do Servidor e pelo secretário-geral da Intersindical. 

Nele, afirmam que a Reforma Trabalhista retirou direitos e gerou desemprego.

Claro que toda legislação trabalhista precisa de revisão para se adaptar aos novos tempos. 

A própria CLT passou por várias desde que foi instituída - aquela história de que é o mesmo texto desde Getúlio Vargas não é verdade. 

Mas o que aconteceu no Brasil não foi um diálogo tripartite, entre patrões, empregados e governo, buscando a atualização e a simplificação das regras.

 Foi a entrega de uma encomenda, pagamento pelo apoio de parte do empresariado à troca de comando na República com a deposição de Dilma.

No final, houve algumas boas alterações, outras inócuas e um pacotão de maldades.

Claro que uma Reforma Trabalhista não impacta a realidade sozinha, depende de uma série de outras variáveis. 

Uma delas, por exemplo, é ter como presidente uma pessoa que gera instabilidades política e econômica

Mas os envolvidos em sua aprovação martelaram, dia e noite, nos veículos de comunicação, o contrário. 

E essa promessa de melhoria rápida do cenário do emprego foi usada para enganar a população desesperada por conseguir um serviço.

Mais do que propaganda enganosa, a isso se dá o nome de chantagem.

Durante muito tempo, parte da imprensa bateu na tecla de que Dilma Rousseff cometeu um estelionato eleitoral ao colocar em prática, no início de seu segundo governo, políticas econômicas que ela não havia prometido em campanha.

Agora, querem o quê? Que Lula cometa um estelionato eleitoral, abraçando o teto de gastos e negando uma  revisão da reforma, antes mesmo de assumir o poder?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL  

Leonardo Sakamoto 

Colunista do UOL

10/11/2022 

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