Caso Dominguetti: imprensa atirou no que viu e acertou no que não viu
Jornais e emissoras preferiram ignorar a verdadeira bomba -- os encontros de Luis Miranda com o lobista Silvio Assis e o líder do governo, Ricardo Barros -- e acreditar em quem tentou desviar o foco da CPI
A imprensa tradicional decidiu, em boa parte, ignorar a reportagem da Crusoé sobre os dois encontros do deputado Luis Miranda com o lobista Silvio Assis.
No segundo, estava presente o líder do governo, Ricardo Barros.
Os encontros foram posteriores à reunião na qual o deputado e o seu irmão, Luis Ricardo, denunciaram diretamente a Jair Bolsonaro um esquema de corrupção na compra da vacina Covaxin.
De acordo com o que apurou a revista, e confirmado por Luis Miranda, o lobista ofereceu ao deputado 6 centavos de dólar por dose de Covaxin comprada pelo governo.
Mais precisamente, vinte milhões de doses, o que faria Luis Miranda embolsar 1,2 milhão de dólares em propina.
Em troca, o deputado e o seu irmão, Luis Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde, deveriam deixar de embarreirar a aquisição da vacina (de eficácia e segurança duvidosas) fabricada por um laboratório indiano.
A compra foi agilizada, lembre-se, por iniciativa de Ricardo Barros, e aprovada cheia de ressalvas pela Anvisa — só poderia ser aplicada em até 1% da população brasileira.
Talvez por acharem Luis Miranda picareta demais (como se os denunciantes dos esquemas fossem sempre gente muito ilibada), jornais e emissoras preferiram cobrir o caso do suposto representante de uma empresa supostamente representante da AstraZeneca, o PM Luiz Paulo Dominguetti Pereira.
Ele teria tentado vender 400 milhões do imunizante do laboratório anglo-sueco ao Ministério da Saúde — e teria ouvido a proposta de um funcionário do órgão, Roberto Dias, ligado a Centrão, de pagar 1 dólar de propina por dose, para que o negócio fosse efetivado.
O valor da negociata sairia por 400 milhões de reais, quantia impagável nos dois sentidos, convenhamos.
Em depoimento à CPI, hoje, Dominguetti apresentou um áudio que implicaria Luis Miranda na negociata com a AstraZeneca.
O áudio parece ter sido editado.
Agora, a desconfiança é a de que Dominguetti, PM declaradamente bolsonarista, foi usado para desviar o foco da CPI, afastando-a de Jair Bolsonaro, e desqualificar o que já foi revelado por Luis Miranda.
A imprensa tradicional ignorou a verdadeira bomba, a reportagem da Crusoé, e pode ter caído numa armadilha.
Agora, os senadores da CPI tentam entender o que aconteceu, abrindo um novo caminho de investigação.
Jornais e emissoras miraram no que viram e acertaram no que não viram — e no que também se recusaram a ver.
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