O grito geral pelo impeachment
Carlos José Marques
Dos confins mais distantes às grandes capitais, entre juristas, religiosos, empresários, políticos, de cidadãos comuns a autoridades diversas, em uma mistura multifacetada da sociedade, ecoa o mesmo e consistente apelo pelo impedimento do mandatário.
Cada dia mais forte.
Em cada ponto, mais justificável.
Nunca foi tão vigoroso o clamor como agora.
Da negligência explícita no plano da saúde à irresponsabilidade congênita na gestão do País, Jair Messias Bolsonaro vai dando provas caudalosas e razões claras — todas previstas na Lei como crimes de responsabilidade — para o seu impeachment.
Perdeu definitivamente as condições de governar.
Um presidente que não desceu do palanque desde que assumiu, cujo evangelho de atitudes prima pela anarquia e a vandalização da ordem nacional, que carrega na essência das atitudes e palavras um irrefreável ímpeto liberticida, representa risco concreto e crescente ao estar aboletado na cadeira do poder no Planalto Central.
O mais espantoso, no todo e em lances espetaculosos, via declarações caóticas e aparições circenses quase diárias, é a visão distorcida e perigosa acalentada pelo “mito” no que se refere a pilares consagrados da democracia.
Brasileiras e brasileiros que têm algo a perder além da vida sentem-se como pacientes de um experimento tenebroso.
O presidente, cuja autoridade murchou graças à incompetência, vai, sobejamente, abrindo fronteiras para novas ignorâncias, agredindo o senso comum.
Dias atrás, no mais recente movimento dessa sarabanda de loucuras, estabeleceu que as demandas de São Paulo não devem, daqui para frente, serem atendidas pelo seu governo.
Proibiu ministros e assessores até de conversarem com representantes do Estado, o maior do País, e ameaçou com “cartão vermelho” quem o desobedecer ou “fizer graça” com João Doria, o arquirrival responsável por humilhá-lo nacionalmente ao disponibilizar a vacina que ele próprio não conseguiu fornecer.
Em outras palavras, o chefe da Nação decidiu abrir a sua guerrinha particular por despeito e, assim, incitar uma quebra do pacto federativo, nos moldes clássicos de uma disputa separatista, absolutamente em desalinho com a Carta Magna.
Não surpreende mais.
Atos impensáveis tornaram-se corriqueiros na rotina do insano.
Desde a posse, Bolsonaro manda de costas para a Constituição, embora tenha jurado fidelidade a ela.
E segue na cruzada com o beneplácito de parlamentares que fazem vista grossa aos seus desmandos.
No Congresso repousam 61 pedidos de impeachment engavetados. Na semana passada, representantes católicos e evangélicos formalizaram mais um.
O movimento, denominado “Frente da Fé”, reúne de líderes católicos a anglicanos, luteranos, metodistas e até pastores.
O grupo conta com o respaldo do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Aliança de Batistas do Brasil.
Todos enxergam pecados graves nesse autodenominado Messias.
Há, é verdade, quem ache que não é para tanto — especialmente na corriola dos políticos aliados.
Mas a bem da verdade dos fatos, e em respeito à Lei, que está aí para ser usada, vale registrar que ninguém fez tantas afrontas ao previsto na Constituição para merecer o afastamento.
Por muito menos, outros foram desalojados.
A bandeira do impeachment voltou a ser desfraldada na atual conjuntura porque campeia a personalidade disforme de um caudilho populista que fez da desordem profissão de fé.
Deliberadamente, ele vem desmontando o Estado, impondo o retrocesso em áreas que vão da Educação à Saúde, das Relações Internacionais aos Direitos Humanos, e não pretende parar o intento.
Vagueia impune na seara da arbitrariedade.
É altamente representativa do casuísmo “made in Brazil” a proteção desavergonhada que congressistas lhe emprestam em troca de “favores” federais.
Não devem cogitar a abertura de inquérito porque temem perder a boquinha.
Nesse tocante, é primaz relembrar a distância que separa o Brasil do ambiente da paparicagem, apadrinhamento e conchavos de Brasília.
Ali, nos corredores federais, por descaso ou desinteresse mesmo, muitos não conseguem sequer perceber a perplexidade e o desânimo que impregnam a majoritária parcela da população frente aos abusos, erros e crimes do capitão.
E assim tendem a colocar panos quentes, advogando em causa própria.
Fora dali, enquanto a popularidade do mandatário despenca, o sonoro grito do impeachment se alastra como o vírus da Covid-19, quase no mesmo e alucinante ritmo, respondendo à asfixia do sistema sanitário, ao colapso de gestão, a inação de medidas.
Bolsonaro é o protagonista da arruaça, o cavaleiro do apocalipse, muito embora, no negacionismo atávico que exibe, recuse a condição e não enxergue sequer relevância nas quase 220 mil mortes e milhões de contaminados.
Como alega: “e daí? Que posso fazer? Não sou coveiro”.
A retórica é, por assim dizer, equestre.
Há pelo menos dois anos, desde que virou o maioral, Bolsonaro destampou o bolor de imundices verbais e vem brindando os brasileiros com um sarau de constrangedoras imprecações.
Pode haver mandatário mais desprezível e de conduta tão repulsiva e ilegal em uma situação como essa? Genocida, muitos o classificam, cobertos de razão.
O Messias quis se livrar do patético e do ridículo nomeando como intendente das aberrações sanitárias um general sem credenciais para conduzir a pasta da Saúde.
Pazuello virou o bode na sala, investigado, respondendo por desmandos e omissão que, na verdade, tiveram orientação superior.
O chefe lhe mandou propagar a cloroquina, desconsiderar os tubos de oxigênio para a população que morria por falta de ar, arrastar as negociações de compra da vacina, das seringas e das agulhas.
Pazuello veio cumular o conciliábulo radical do Messias capitão e galvanizou toda a culpa.
Na esperteza, Bolsonaro, de sua parte, passou a fazer, de novo, o jogo do disse, não disse.
A vacina que não compraria de jeito nenhum virou “a vacina do Brasil”.
De acordo com muitos psiquiatras, não apenas aí o presidente apresenta comportamentos compatíveis com critérios de transtorno de personalidade.
Até por isso deveria ser interditado, antes que consiga ruir de vez com o País.
Na Venezuela, um outro caudilho, Hugo Chavez, tempos atrás conseguiu, trilhando exatamente o mesmo percurso.
Lamentavelmente, quem move os instrumentos para a alteração do quadro ou a perpetuação dele são os oportunistas, que não temem apoiar um extremista desde que o seu ganho esteja garantido.
Donos do capital estão pouco se importando com regime democrático, totalitário ou em mãos de milícias saqueadoras.
Tanto faz.
Não interessa.
O problema se estabelece quando nada funciona, e vem ocorrendo no Brasil.
O custo de ser pária do mundo começa a bater.
Juristas identificaram violações tão diversas como quebra de decoro, interferências indevidas, irresponsabilidade com a vida alheia e abusos de poder (não apenas retórico, mas legal, como o de proibir o Ministério da Saúde de tomar medidas necessárias).
Quando e de que maneira retirar Bolsonaro do Planalto virou assunto inadiável dada a sua condição de empecilho a qualquer solução nacional.
No prontuário de um incompetente como ele, as dezenas de carreatas por mais de 45 cidades, dias atrás, constará como aviso.
Por outro lado, sem o impeachment, o Brasil corre sério risco de sufocar em pouco tempo.
O “governo de ocupação”, cuja prioridade é qualquer coisa, menos governar, tem de sair dali o quanto antes.
Passou da hora!
Não dá para aceitar resignadamente o avanço do mal que o presidente representa.
Até no STF a discussão sobre o impeachment precisa ganhar a pauta.
Enquanto no Congresso partem e repartem, cerzem e descosturam o assunto, com uma empáfia desmedida, o entulho autoritário do capitão vai sendo jogado para debaixo do tapete.
É hora dos demais poderes responderem aos anseios nacionais nesse assunto.
Do contrário, a índole tolerante, pacífica e cordata do povo brasileiro pode não aguentar.
https://istoe.com.br/o-grito-geral-pelo-impeachment/