Reforma da Previdência proposta pelo governo fixa idade mínima em 65 anos e exige 49 de contribuição para benefício integral; texto precisa de aval do Congresso.

Se esse padrão se mantiver, um número ínfimo de brasileiros terá acesso
a aposentadoria integral dentro das regras propostas na reforma da
Previdência. A nova regra apresentada pelo governo federal determina que
o brasileiro contribua por 49 anos para ter acesso ao benefício integral. A proposta ainda está em análise no Congresso.
De 2013 a 2015, foram concedidas no país 2,307 milhões de novas
aposentadorias. Desse total, 41% foram por tempo de contribuição, 38,7%
foram por idade e 20,3% por invalidez.
Os dados do INSS mostram que o tempo de contribuição padrão na hora de
solicitar a aposentadoria atualmente é entre 30 e 35 anos, com 64% do
total dos benefícios concedidos por tempo de serviço.
Em seguida, está a
faixa de 36 a 39 anos, com 18,7%, e a de 25 a 29 anos, com 12%. Veja quadro abaixo
A proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo ao Congresso estabelece idade
mínima de 65 anos para a aposentadoria e passa a exigir 49 anos de
contribuição para a concessão do chamado "benefício integral", sem
descontos.
Ou seja, um período bem superior ao da média atual.
Se aprovada, a reforma terá impactos não só na idade mínima como também
no perfil do tempo de contribuição do brasileiro e no valor dos
benefícios.
Pela texto enviado ao Congresso, a idade mínima de 65 anos só garantirá
aposentadoria integral (valor que é limitado ao teto do INSS,
atualmente em R$ 5.531,31) para quem tiver começado a trabalhar aos 16
anos, e isso se não tiver ocorrido durante o período nenhuma interrupção
nas contribuições.
Para aqueles que entraram no mercado de trabalho só
depois de formado, aos 23-25 anos, a aposentadoria sem descontos só
chegaria após os 70 anos.
“Na verdade, o que o governo fez foi encontrar uma outra maneira de
baixar o valor do benefício, sem mexer no teto da aposentadoria.
Quem
quiser ter um benefício maior, vai ter que contribuir por um período
maior”, afirma o economista Luis Eduardo Afonso, professor da Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
"Como o país
não foi capaz de fazer mudanças mais lentas lá atrás, a gente é quase
que obrigado a fazer uma reforma tão dura quanto essa”, explica.
Simulações feitas a pedido do G1
mostram que, caso seja aprovada na forma como foi enviada, a reforma
fará com que o brasileiro se aposente mais tarde e com valores de
benefícios menores do que os garantidos pela lei vigente.
"Se de um lado o governo parece querer incentivar as pessoas a
postergar suas aposentadorias, aproximando-as da idade mínima, por outro
lado, quando se comparam os valores ao que elas receberiam pelas regras
atuais, há perda na maioria dos casos", avalia o economista Fabio
Klein, da Tendências Consultoria.
Para ele, a proposta é "ambiciosa" e contém "certa dose de gordura”
para as negociações no Congresso.
O especialista em contas públicas
afirma, entretanto que eventuais cortes "devem ser apenas marginais",
sob o risco de prejudicar o objetivo principal de garantir a
sustentabilidade da Previdência no longo prazo.
Veja calculadora do G1 que estima idade de aposentadoria se nova regra entrar em vigor.
Brasileiro se aposenta hoje aos 58 anos em média
O ponto central da reforma é a elevação da idade mínima para solicitar a aposentadoria. O presidente Michel Temer descartou negociar este ponto. "A idade é fundamental para esta reforma", disse.
A média de idade da aposentadoria no Brasil foi de 58 anos em 2015, uma das menores do mundo,
sendo de 54,7 anos nos benefícios por tempo de contribuição e de 60,8
nas aposentadorias por idade. No caso dos benefícios requeridos por
invalidez, a média de idade é ainda menor: 52,2 anos.
Entre os economistas, é praticamente consenso de que o brasileiro deveria se aposentar mais tarde.
“O que temos hoje é uma distorção porque as pessoas mais protegidas são
aquelas que se aposentam mais cedo", diz Afonso.
Para ele, a unificação
dos regimes e o fim da diferenciação entre aposentadoria por idade e
por tempo de contribuição, representará uma forma de maior justiça
social.
"A reforma irá afetar fundamentalmente os indivíduos de classe
média-alta, tipicamente o trabalhador do setor formal, que ficou mais
tempo com carteira de trabalho, com escolaridade e renda mais alta,
aqueles que hoje se aposentam por tempo de contribuição”, explica.
O que diz o governo
O objetivo do governo ao propor novas regras paras as aposentadorias é
buscar a sustentabilidade das contas públicas, diante de um déficit
crescente do sistema previdenciário brasileiro – que resulta de regras
atuais mais benéficas do que no resto do mundo, de um envelhecimento da
população brasileira e de queda na taxa de natalidade no país.
Ao apresentar a proposta, o governo argumentou que regras de transição
mais longas e fórmula de mudança de cálculo mais flexível limitariam o
impacto da reforma, sobretudo no curto e médio prazo.
O governo prevê economizar R$ 678 bilhões em 10 anos somente com o INSS, sendo R$ 4,6 bilhões já em 2018 e R$ 14,6 bilhões em 2019.
Questionado pelo G1
se a exigência de tempo mínimo de 49 anos de contribuição para ter
direito a aposentadoria integral não estaria muito distante da realidade
atual, o Ministério da Previdência respondeu que atualmente o
brasileiro tem conseguido manter na aposentadoria uma fatia da renda que
tinha maior maior do que a média registrada nos demais países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
"A taxa de reposição (em relação à renda média do trabalhador) no
Brasil, em 2014 foi de 80,6% (último dado disponível). Esse número
elevado, em comparação aos demais países da OCDE, por exemplo, deve-se
ao fato de que dois terços dos benefícios previdenciários brasileiros
serem de um salário mínimo, ou seja, casos em que os trabalhadores têm
reposição integral, o que faz elevar a média", afirmou o ministério.
O G1
solicitou o número de aposentadorias concedidas pelo valor integral nos
últimos anos, mas segundo a Previdência "não existe o dado".
O
ministério informou apenas que do total de aposentadorias por tempo de
contribuição concedidas em 2015, menos de 1% (0,72%) foi pelo teto do
INSS, e lembrou que pela lei em vigor o benefício é calculado a partir
da média dos 80% maiores salários de contribuição.
Aposentadoria integral já é pouco comum
Mesmo sem um número oficial, os especialistas em Previdência afirmam
que são poucos os que se aposentam hoje com o benefício integral, pois a
maioria acaba preferindo trocar uma aposentadoria de valor maior lá na
frente por uma de valor menor imediatamente.
"Hoje, as pessoas não se aposentam com o benefício perto do integral
também. Quem se aposenta em torno de 55 anos, com 35 de contribuição,
vai se aposentador certamente com uma taxa de reposição baixa,
equivalente a 70%, porque o fator previdenciário comprime o valor do
benefício", explica Afonso.
Para o economista Hélio Zylberstajn, professor da FEA/USP, a maioria
acaba optando por pedir a aposentadoria imediatamente após completar o
tempo de contribuição exigido, uma vez que a lei permite continuar a
trabalhar e receber aposentadoria pelo INSS. "É uma violação do conceito
básico do regime de repartição", afirma.
"O sistema não suporta mais a
precocidade da aposentadoria. É para mudar isso que a idade mínima tem
que ser ampliada", completa.
Atualmente, para conseguir a a aposentadoria integral é preciso soma do
tempo de contribuição e a idade superior a 95 no caso dos homens ou
superior a 85 no caso das mulheres.
Pela proposta do Executivo, o cálculo do chamado benefício integral
passa a considerar uma média de todos os benefícios e não mais a média
dos 80% maiores salários de contribuição. A partir desse valor, será
aplicado 51% mais 1% para cada ano de contribuição. Ou seja, para
conseguir a aposentadoria integral, o trabalhador terá que contribuir
por 49 anos.
Risco de fuga de contribuintes
Para os críticos da reforma, a proposta de mudança de cálculo das
aposentadorias é muito drástica diante das dificuldades de colocação no
mercado de trabalho após os 65 anos. Estimativas do IBGE apontam os trabalhadores com mais de 65 anos ocupam menos de 1% das vagas formais no mercado de trabalho.
Há quem veja risco de fuga do número de contribuintes que contribuem espontaneamente ao INSS diante da perspectiva de uma aposentadoria por valores mais baixos.
Há quem veja risco de fuga do número de contribuintes que contribuem espontaneamente ao INSS diante da perspectiva de uma aposentadoria por valores mais baixos.
"O raciocínio é simples: para que pagar, se eu não vou usar?
Se eu
preciso de 49 anos para receber os benefícios em sua integralidade, é
melhor eu sair do sistema", afirma o economista e professor da Unicamp,
Pedro Rossi.
"Hoje em torno de 40% da população economicamente ativa não
contribui com o INSS.
O desafio seria incluir esse pessoal", destaca.
Já o especialista em direito previdenciário João Badari, sócio do
escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, vê também risco de maior
informalidade entre aqueles que já tiverem completado 25 anos de
contribuição (mínimo exigido pela proposta de reforma).
"A proposta de emenda irá trazer 4 grandes consequências: número menor
de benefícios concedidos, benefícios com valores reduzidos (pela
dificuldade em atingir os 49 anos), um tempo menor de pagamento dos
benefícios (em razão do aumento da idade para conseguir se aposentar) e
isso irá contribuir com a informalidade, pois muitos trabalhadores
passarão a não mais contribuir para o sistema", critica.
http://g1.globo.com/economia/