Exército nega ter documentos sobre acampamentos golpistas que a própria PGR já tem em mãos

 Exército nega ter documentos sobre acampamentos golpistas que a própria PGR já tem em mãos

Alegação de inexistência de registros é desmentida por documentos da própria PGR, revelando incoerência e falta de transparência 



Por Cleber Lourenço
Escrito  BRASIL  10/3/2025 · 19:08 hs

O Exército Brasileiro nega a existência de documentos sobre os acampamentos golpistas em frente a quartéis militares no período pós-eleitoral de 2022, apesar de evidências que indicam que a própria instituição produziu relatórios sobre o tema. A Controladoria-Geral da União (CGU), ao analisar um recurso para acesso às informações, aceitou a justificativa militar e decidiu não conhecer o recurso, bloqueando uma análise mais detalhada da negativa. Essa decisão limita o acesso a informações que poderiam esclarecer o papel das Forças Armadas nos episódios que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023.

O pedido original, feito pela coluna e baseado na Lei de Acesso à Informação (LAI), solicitava documentos especificamente do Centro de Inteligência do Exército (CIE) e do Comando do Exército, órgãos centrais que concentram informações estratégicas sobre o tema. Inicialmente, o Exército argumentou que atender à solicitação seria inviável por envolver dados de 672 organizações militares espalhadas pelo país. Quando essa justificativa foi contestada no recurso, a instituição alterou sua posição e afirmou que simplesmente não há documentos sobre os acampamentos golpistas.

Essa nova alegação contradiz documentos obtidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que demonstram que o Exército monitorava ativamente os acampamentos golpistas e possuía registros detalhados sobre sua evolução. Entre os documentos da PGR, destaca-se um relatório da 7ª Companhia de Inteligência do Exército, de 5 de janeiro de 2023, que alertava sobre o crescimento das mobilizações radicais e identificava riscos iminentes de violência. O documento mencionava explicitamente a convocação para a "Tomada de Poder", um termo usado pelos golpistas para incitar ações violentas. 

Além disso, a PGR revelou que informações detalhadas sobre os acampamentos foram compartilhadas internamente entre os órgãos de segurança, demonstrando que o Exército estava plenamente ciente da escalada de radicalização. Mesmo com esse conhecimento, nenhuma ação foi tomada para conter a radicalização dos protestos ou evitar os ataques contra os Três Poderes. O depoimento de Eduardo Naime à CPMI do 8 de janeiro revelou que a Polícia Militar do Distrito Federal tentou desmontar os acampamentos antes dos ataques, mas foi impedida pelo Exército, que bloqueou qualquer tentativa de dispersão forçada dos manifestantes. 

A insistência do Exército em negar a existência de documentos, mesmo diante de provas em sentido contrário, levanta suspeitas de destruição deliberada de registros ou ocultação de informações comprometedoras. Especialistas afirmam que essa postura pode indicar uma tentativa de proteger membros das Forças Armadas de possíveis responsabilizações legais. Ao aceitar essa justificativa sem questionar sua contradição com os documentos da PGR, a CGU contribui para a falta de transparência e dificulta o esclarecimento da verdade.

Essa não é a primeira vez que o Exército recorre a justificativas controversas para negar informações. Em agosto de 2024, a instituição negou inicialmente a existência de um treinamento conjunto com o Exército dos Estados Unidos, mesmo após a divulgação do evento no site oficial das Forças Armadas norte-americanas. A reportagem americana detalhava um intercâmbio de comunicação e marketing entre militares brasileiros e norte-americanos, realizado pelo Comando Sul dos EUA. No entanto, em resposta a um pedido via LAI, o Exército Brasileiro afirmou não ter identificado nenhum treinamento desse tipo. Somente após insistência, a instituição admitiu que houve um intercâmbio de informações entre as Forças Armadas dos dois países, mas tentou minimizar a atividade, classificando-a como um simples compartilhamento de experiências e não um treinamento formal.

A recusa reiterada do Exército se torna ainda mais preocupante quando analisada no contexto de sua postura geral de resistência à transparência. Em outras ocasiões, a instituição também alegou dificuldades operacionais para fornecer informações estratégicas, mesmo quando solicitadas por órgãos de controle. Essa falta de compromisso com a transparência compromete não apenas investigações internas, mas também a atuação de órgãos fiscalizadores e do próprio Congresso Nacional, que já cogita abrir novas frentes de apuração sobre o envolvimento de militares na tentativa de golpe.

O caso reforça um padrão de ocultação e obstrução de informações dentro da estrutura militar, aumentando a pressão para que sejam adotados mecanismos mais rígidos de controle sobre as Forças Armadas. O sigilo sistemático imposto pelo Exército mina a credibilidade da instituição e fortalece a percepção de que informações relevantes estão sendo deliberadamente escondidas.

Enquanto órgãos como a PGR possuem documentos que demonstram o monitoramento detalhado dos acampamentos por parte do Exército, a instituição militar insiste em negar sua existência. Essa contradição expõe não apenas uma crise de transparência dentro das Forças Armadas, mas também um esforço coordenado para dificultar o acesso a informações que podem comprometer membros da própria estrutura militar. O caso reforça a urgência de que o Congresso Nacional e demais instituições intensifiquem suas investigações e cobrem explicações que até agora foram sistematicamente negadas.

O sigilo do Exército sobre os acampamentos não só prejudica a busca por justiça nos eventos de 8 de janeiro, mas também fortalece a necessidade de maior controle sobre a atuação militar no país. A falta de respostas concretas amplia a pressão para que o Congresso Nacional atue de maneira mais incisiva, promovendo audiências e exigindo que as Forças Armadas prestem esclarecimentos públicos.

A insistência do Exército em negar informações, mesmo diante de provas documentais já disponíveis para outros órgãos, não apenas compromete sua credibilidade, mas também reforça a percepção de que há informações sendo ocultadas para evitar desgastes políticos e responsabilizações legais. Esse cenário intensifica os pedidos para que o Ministério Público Federal e outras instituições adotem medidas mais firmes para garantir transparência e responsabilização.

A sociedade segue sem respostas sobre o que foi discutido nos bastidores militares no período que antecedeu os ataques de 8 de janeiro. Enquanto instituições que deveriam garantir a prestação de contas parecem empenhadas em proteger os envolvidos, cresce a pressão por investigações mais amplas, incluindo audiências no Congresso e novas tentativas de obtenção dessas informações por vias judiciais. A negativa do Exército não encerra a questão—pelo contrário, reforça a necessidade de aprofundar as apurações sobre seu real papel na tentativa de golpe e a extensão de sua omissão.

https://revistaforum.com.br/brasil/2025/3/10/exercito-nega-ter-documentos-sobre-acampamentos-golpistas-que-propria-pgr-ja-tem-em-mos-175436.html

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