Tereza Cruvinel
Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.
Esta junta militar, uma vez no poder, se livraria de Bolsonaro e mergulharia o Brasil numa ditadura talvez mais violenta que a do passado 22 de novembro de 2024, 04:39
Nestes quase dois anos em que vivemos assombrados pelo fantasma do golpe fracassado pensamos sempre que a ditadura planejada teria Bolsonaro no comando. Ele também pensava nisso, mas as descobertas da PF começam a mostrar que, consumado o golpe, uma junta militar chefiada pelos generais Heleno, Braga Neto e Mario Fernandes assumiria o poder, descartaria Bolsonaro e nos imporia uma ditadura pior que a derivada do golpe de 1964.
Braga Neto e Heleno foram as figuras mais proeminentes da tentativa de golpe. Heleno, herdeiro da antiga linha dura militar foi chefe-de-gabinete do general Sylvio Frota, o ministro do Exército que tentou dar um golpe em Geisel para deter a abertura mas foi derrotado e demitido. Braga Neto é mais jovem mas não menos identificado com a truculência do velho regime. Mario Fernandes apareceu agora, ao ser preso pela Operação Contragolpe, mas seu ativismo foi notável, segundo as apurações da PF.
Um primeiro sinal de que os generais e Bolsonaro divergiam sobre o regime que viria depois do golpe apareceu em fevereiro, na decisão do ministro Alexandre de Morais que autorizou buscas, apreensões e prisões de alguns dos envolvidos. As investigações já haviam constatado, naquela época, que Bolsonaro leu, pediu mudanças e aprovou o texto da minuta do golpe. As mudanças tinham a ver com o “depois”.
Dizia aquela autorização de Morais:
“Os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e, ao final, decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco e, por fim, determinava a realização de novas eleições. Posteriormente, foram realizadas alterações a pedido do então presidente, permanecendo a determinação de prisão do ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições”.
A previsão de novas eleições era do interesse de Bolsonaro, que planejaria disputá-las num pleito futuro, mas foi suprimida em outras versões da minuta do golpe que circularam entre os envolvidos. Nestas novas versões surgiu também a previsão de um gabinete de crise, que seria na verdade uma junta militar governativa.
Foi após ter concordado com o novo texto que, em 7 de dezembro de 2022, Bolsonaro convocou uma reunião com os comandantes das Forças Armadas - almirante Almir Garnier Santos (Marinha), general Marco Antonio Freire Gomes (Exército) e brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior (Aeronáutica), para apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe. Freire Gomes e Batista Júnior, em depoimentos posteriores à PF, disserem ter se recusado a participar. Freire Gomes relatou que, em outro momento, chegou a dizer a Bolsonaro que seria obrigado a prendê-lo caso continuasse sendo pressionado. Garnier, que aderiu ao plano golpista, é agora um dos indiciados pela PF.
Outro sinal de que o núcleo militar visava tomar o poder de Bolsonaro apareceu agora, nas mensagens trocadas entre o general Mário Fernandes e seu chefe-de-gabinete, coronel Reginaldo Vieira de Abreu. Os dois reclamam da demora de Bolsonaro em assinar o decreto e das resistências ao golpe no Alto Comando do Exército. É nessa conversa que o coronel se exaspera: “O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas da Constituição é o cacete”. Eles se referem a uma mudança no Alto Comando, que passaria a ter apenas cinco generais, certamente alinhados com o novo regime.
No plano terrorista para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre, denominado Punhal Verde e Amarelo por seu redator, o general Mario Fernandes, volta a aparecer a previsão do “gabinete de crise”, que seria formado por cinco generais e onze coronéis. Esta junta teria a missão de ‘pacificar’ o país depois do golpe, “controlar” as ações de comunicação do governo e “evitar ilações que desinformassem a população”. O plano recomendava a inclusão de um juiz ou promotor no gabinete e criar um núcleo político para acompanhar as atividades do Congresso Nacional e buscar apoio político à ruptura institucional.
Esta junta militar, uma vez no poder, se livraria de Bolsonaro e mergulharia o Brasil numa ditadura talvez mais violenta que a do passado. Essa hipótese soa a delírio ou a pesadelo mas foi algo plausível, que poderia ter se realizado. Felizmente, para nós e para a democracia, eles são muito incompetentes.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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