Com Netanyahu, Hamas e Putin, Tribunal em Haia vive hora da verdade
Quando o Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado, há duas décadas, líderes de praticamente todo o mundo comemoraram o estabelecimento do novo órgão como forma de combater uma doença global e endêmica: a impunidade diante de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.
Mas, à medida que as decisões começaram a ser tomadas, os 124 países que ratificaram a existência da corte se deram conta que havia um problema para a implementação das decisões: a geopolítica.
Hoje, ao pedir que os juízes do TPI emitam uma ordem de prisão contra a cúpula do Hamas e contra o líder de um país aliado dos EUA, o procurador-geral da corte, o britânico Karim Khan, colocou o órgão em uma encruzilhada. Ou a lei vale de fato para todos ou ela não vale para ninguém, e, nesse caso, a consequência será a desmoralização de um tribunal que era a esperança da justiça internacional finalmente existir.
Se a corte acatar o pedido do procurador, ela irá emitir um mandado de prisão internacional contra Benjamin Netanyahu. Israel não reconhece a jurisdição da corte. Mas a Autoridade Palestina sim e, como os crimes ocorrem contra palestinos, Khan julgou que tinha o mandato para realizar as investigações. Assim, se o premiê realizar uma visita qualquer a um dos 124 países do pacto, ele poderia ser preso e entregue para Haia.
Os governos que fazem parte da corte têm a obrigação de entregar alguém que seja alvo de um mandado internacional de prisão, caso pisem em seu solo.
Desde que foi alvo de um mandado de prisão pelo mesmo procurador, Vladimir Putin apenas viaja para fora da Rússia quando tem garantias de que o país que o receberá não está entre os 124 Estados da corte. No ano passado, ele evitou se deslocar para a África do Sul e ainda existem dúvidas sobre sua ida ao Brasil, para a cúpula do G20.
Há ainda outro problema: mesmo se ele estiver indo a um país que não reconhece a corte e, no meio do caminho, ocorrer algum problema técnico com sua aeronave, o pouso forçado pode ocorrer num país parte do tribunal.
Ironicamente, as reações em relação à ordem de prisão de Putin e a ameaça que paira sobre Netanyahu são diferentes. Quando o Khan fez o anúncio sobre o russo, americanos e europeus se apressaram em apontar que aquela era uma prova que Putin era um criminoso e que a impunidade não poderia prevalecer. Olaf Scholz, na Alemanha, chegou a declarar que a medida mostrava que "ninguém está acima da lei". Imediatamente, líderes das principais democracias tinham seus comentários prontos para dar apoio ao mandado de prisão.
Agora, o que impera é o silêncio de muitos, críticas de alguns e, nos bastidores, uma pressão descomunal tenta emparedar o tribunal para que nada ocorra.
Nas últimas semanas, autoridades dos Estados Unidos e de Israel fizeram declarações contra o TPI, caracterizando as ações do procurador como "sem lei", "vergonhosas" e quaisquer possíveis mandados de prisão como "um ataque ultrajante" e "uma abominação". Enquanto isso, os líderes do Congresso dos Estados Unidos estão preparando possíveis ações de retaliação, incluindo sanções a indivíduos que trabalham para o tribunal e esforços para retirar recursos do TPI, caso sejam emitidos mandados de prisão contra autoridades israelenses.
Nesta segunda-feira, o presidente americano, Joe Biden, afirmou que:
O pedido do procurador do TPI para mandados de prisão contra líderes israelenses é ultrajante. E deixe-me ser claro: independentemente do que esse promotor possa sugerir, não há equivalência - nenhuma - entre Israel e o Hamas. Sempre estaremos ao lado de Israel contra ameaças à sua segurança.
No Congresso Americano, deputados republicanos indicaram que poderão colocar sanções e até proibições de viagem contra os funcionários da corte.
O governo britânico também questionou a decisão, alertando que a medida "não ajudaria" a garantir o fim do conflito.
Putin, o Hamas e Netanyahu podem ser responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Mas a sobrevivência da justiça internacional não depende deles. E sim daqueles que, supostamente fincados no estado de direito, cumprem tratados, julgam e atuam exclusivamente com base em seus próprios interesses políticos. E não em defesa das vítimas de criminosos de guerra.