Charges do Renato Aroeira

 










Ataque a Moraes e nova lei contra agressores. E mais: lágrimas de crocodilo

Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
Roberto Mantovani, sua mulher, Andreia, e o genro Alex Zanatta Bignotto ao serem abordados pela Polícia Federal, após o desembarque no Brasil
Roberto Mantovani, sua mulher, Andreia, e o genro Alex Zanatta Bignotto ao serem abordados pela Polícia Federal, após o desembarque no Brasil Imagem: Arquivo Pessoal

Alexandre de Moraes, presidente do TSE e ministro do Supremo, e sua família foram hostilizados por brasileiros no Aeroporto de Roma, pouco depois das 18h30 da noite de sexta, horário local. A Polícia Federal já abriu um inquérito. Segundo as informações disponíveis, ao avistar Moraes, Andreia Mantovani e seu marido, o empresário Roberto Mantovani Filho, o chamaram de "bandido, comunista e comprado". Alex Zanatta Bignotto, genro do casal, fez coro aos xingamentos. O filho do ministro teria sido agredido.

Moraes e família seguiam para um outro destino na Europa. Ele falou como convidado no Fórum Internacional de Direito da Universidade de Siena. Os brasileiros identificados como agressores embarcaram para o Brasil e tiveram de prestar os primeiros esclarecimentos à Polícia Federal ao chegar ao país. Mantovani falou com a imprensa. Já comento suas declarações, que poderiam ser espantosas não fossem tão pouco surpreendentes. Antes, algumas considerações.

PROJETO DE LEI
Há muitos anos escrevo sobre a prática detestável e criminosa de atacar autoridades em ambientes públicos ou nos locais em que moram -- o tal esculacho -- para expressar inconformismo de qualquer natureza. Na democracia, é certo, ninguém está imune à crítica. Mas há ambiente e canais apropriados para fazê-lo, além de método adequado, que não expõe ninguém a risco.


E isso tem de valer para todos, pouco importando alvos e agressores — se progressistas, esquerdistas, conservadores ou reacionários. Inexiste o direito à ofensa. O Código Penal pune a ameaça (Art. 167) e a injúria (Art. 140). E prevê sanção para quem ataca um servidor público em razão do exercício de sua função (Art. 331). Mas ainda é pouco para devolver a civilização ao leito no que respeita a esse aspecto. O Congresso Nacional tem de votar uma lei específica, com penas mais severas para essa variante do crime de ódio. E tem de considerar como um agravante a exposição das redes sociais de vídeos propagando o malfeito.

A DESCONVERSA
Mantovani falou com o Estadão. Nem confirma nem nega o ataque:
"Na minha opinião, não foi nada de tão extraordinário. Não gostaria de comentar nada para evitar, sabe, ódio, um revanchismo. Não gostaria disso nesse momento. Não gostaria de fazer nenhum comentário até que possa saber aquilo que eles possam dizer que eu fiz".

Como se percebe, ele reconhece que algo se deu, só que não achou "tão extraordinário". Na declaração seguinte, é mais rebarbativo:
"Eu só vi o ministro. Ele estava para entrar numa sala VIP. Eu passei por ali. Houve ali uma pequena confusão de alguns brasileiros, alguns foram embora e quem pagou o pato fomos nós, mas tudo bem, a gente tem que aguardar."

Deve imaginar que o lugar é guardado por câmeras, e a PF certamente terá acesso às imagens.

Folha, por sua vez, publica a seguinte declaração:
"O que eu posso falar para você é que eu vi realmente o ministro. Ele estava sentado em uma sala, mas eu não dirigi nenhuma palavra a ele".

Segundo a TV Globo, Matovani chegou a atingir o rosto do filho de Moraes, cujos óculos caíram no chão. Questionado pelo jornal, o empresário não comentou. Poderia ter dito: "Não fiz isso". Mas não disse. Aliás, ele também estava com a família, tanto é assim que teria sido a sua mulher a dar início à confusão. Além do casal e do genro, integravam o grupo uma filha, um filho e duas netas, de 4 e 2 anos.


AUTORIAS
A Polícia Federal certamente identificará os autores das agressões, que terão de pagar por suas escolhas. Mas há as autorias políticas, ideológicas e morais.

Nós sabemos quem, desde 2018, pôs os ministros do Supremo e do TSE na mira dos fanáticos, Jair Bolsonaro. E todos aqueles que promovem campanhas sistemáticas contra os tribunais e seus ministros — alguns insufladores têm até colunas na cada vez menor "grande imprensa — estão a incentivar esse tipo de violência. E digo por quê: não se dão ao trabalho de tentar contestar tecnicamente os ministros, expondo, então, a seu juízo, qual seria decisão correta e segundo quais diplomas legais. Nada disso! As respectivas Cortes são tratadas como fontes do arbítrio — afinal, é evidente, por intermédio de suas ações, impediram o Biltre de tentar desfechar um golpe.

Cumpre que fiquemos atentos porque vai se dar um fenômeno: como o governo está sendo inequivocamente bem-sucedido, a despeito das dificuldades, o eleitorado que escolheu Bolsonaro tende a encolher, e os ressentidos que permaneceram fiéis à causa podem se tornar mais agressivos.

O mundo desabou sobre a cabeça do ministro Roberto Barroso porque, em discurso em evento da UNE, afirmou: "Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas". Já falei a respeito mais de uma vez. Obviamente não estava demonizando uma corrente de opinião ou parte do eleitorado. Referia-se à intolerância e à truculência, de que também ele foi alvo. O único pecado da fala é seu eventual excesso de otimismo. Ainda não derrotamos. Mas temos de derrotar.

DE VOLTA A ROGÉRIO MARINHO E À SUA TURMA
É preciso tomar cuidado com aquilo que se deseja. Depois que veio a público a informação sobre o ataque sofrido por Moraes e sua família, o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, escreveu o seguinte no Twitter:

"A intimidação e a violência física não são instrumentos da luta política. Repudio essa forma irracional de manifestação, que não ajuda, que se volta contra quem a pratica e nos nivela com aqueles que representam o pior em nossa sociedade.
A falta de argumentos leva a palavras de ordem que pretende calar quem pensa diferente. A normalidade democrática precisa voltar ao nosso País. Defendemos a pacificação e o diálogo, dentro da Constituição.
Tenho minhas diferenças e discordâncias com a forma como o ministro tem conduzido os inquéritos sob sua coordenação. Porém, não posso concordar com a agressão contra ele e, principalmente, contra seu filho, que o acompanhava.
O Brasil precisa voltar a conviver com suas diferenças, essa é a espinha dorsal da democracia."

É mesmo? O espetáculo grotesco protagonizado pelo senador na quinta, sobre o qual escrevi aqui, incentiva esse tipo de comportamento. Não foi ele a se debulhar em lágrimas pensando nos golpistas presos, acusando Moraes de agredir o devido processo legal, o que é mentira? Não foi ele a apontar o governo como o responsável pelos atos golpistas de 8 de janeiro? Não foi ele a acusar suposta ação ilegal do Supremo contra a imunidade parlamentar? Não foi ele sustentar que os pobres conservadores são vítimas de "políticas identitárias como condições doutrinárias para serem inoculadas no conjunto da sociedade (...) como um processo de imposição de atitudes"?


Mesmo as palavras "de solidariedade" acima estão encharcadas de lágrimas de crocodilo. Então um ministro e sua família são atacados e expostos ao perigo por pessoas do seu campo ideológico e, ao manifestar a sua contrariedade com a violência, faz questão de destacar as suas diferenças com a vítima? Solidariedade que se mistura com proselitismo contra o agredido funciona como uma espécie de justificativa enviesada para os atos do agressor.

E notem a sutiliza de um reacionário: a "atitude irracional", ele escreve, "se volta contra quem a pratica e nos nivela com aqueles que representam o pior em nossa sociedade." Sacaram? Quem partiu para o ataque seria a verdadeira vítima. Mas observo que Marinho se trai ao escrever o "nos nivela". Reconhece, pois, que os seus aliados nesse embate são os agressores. Mas, ora vejam, "o pior da sociedade" são seus adversários, não seus aliados encrenqueiros e violentos.

"A linguagem é um vírus", já se escreveu. E o organismo trai Marinho. Vejam lá: "Não posso concordar com a agressão contra ele [Moraes] e, principalmente, contra seu filho, que o acompanhava." É só uma deferência à instituição da "família" — reacionários adoram falar a respeito, mesmo entendendo tão pouco do assunto? Ou, no fundo, está a dizer: "O auge da minha discordância é bater no filho; no que respeita ao pai, essa discordância já perde um pouco de força?..."

SERGIO MORO
O futuro senador cassado Sergio Moro (União-PR) também foi às redes:

"Não posso concordar com a agressão contra ele e, principalmente, contra seu filho, que o acompanhava".

Também o ex-juiz vem com o "principalmente". Para usar uma palavra de sua predileção, seu protesto tem o estilo inequívoco das "escusas" aos reacionários que o admiram. Em vez de um claro "discordo" ou um mais claro "repudio", o texto vem saltando pocinhas: "Não posso concordar..."

E esquecer? Quem transformou o Supremo em alvo fixo da extrema-direita foi a Lava Jato.


ENCERRO
Que se punam os que cometeram os crimes no Aeroporto de Roma. Mas eles são apenas a ponta da urdidura criminosa contra a democracia e o estado de direito. É preciso combater, por intermédio da luta política, os criminosos morais, que insuflam e justificam os ataques às instituições.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/07/16/ataque-a-moraes-e-nova-lei-contra-agressores-e-mais-lagrimas-de-crocodilo.htm

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