Nós somos os ursos polares

 O mundo está acabando, como mostra o mais completo relatório sobre o aquecimento global. Mas outro começo é possível sob o capitalismo. 

Segunda-feira nos traz uma ótima notícia: o mundo está acabando. O mais completo relatório jamais feito pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organização científico-política que trabalha no âmbito da ONU, mostra que atingimos o ponto de não-retorno para o desastre que estamos causando ao planeta. Nos próximos 20 anos, não importa o que fizermos, o aquecimento global continuará a ter impacto tremendo sobre a vida na Terra. Mesmo se as emissões começarem a ser cortadas em larga escala imediatamente, a temperatura no planeta aumentará 1,5 grau centígrado.

O relatório, aprovado pelos governos de 195 países, foi baseado em 14.000 estudos e lançou mão de modelos de computador que não estavam disponíveis até pouco tempo atrás. Agora é possível dizer que não há mais sombra de dúvida de que é a ação do homem que vem aquecendo o planeta desde o século XIX, com a queima de combustíveis fósseis, destruição de florestas e consequente emissão de dióxido de carbono e metano em quantidades pantagruélicas. A última década foi provavelmente a mais quente em 125 mil anos e os níveis de dióxido de carbono na atmosfera nunca foram tão altos em pelo menos 20 séculos. O nível dos oceanos dobrou desde 2006. Isso mesmo: dobrou. Os incêndios a que estamos assistindo no Hemisfério Norte são resultado de verões cada vez mais quentes desde 1950, e as ondas de calor dobraram de frequência desde a década de 1980. Sim, você leu certo outra vez: dobraram. Elas ocorriam de 50 em 50 anos, passaram a ocorrer de 10 em 10, e com 1,5 grau centígrado a mais de temperatura global, afligirão cerca de 1 bilhão de pessoas de 5 em 5. Outra notícia ruim: as correntes marítimas, como a que estabiliza o clima na Europa, estão mais lentas e ninguém sabe dizer qual será o impacto disso no sistema como um todo. 

Como o aquecimento em 1,5 grau centígrado é inevitável, a única coisa a fazer é evitar que o planeta se torne ainda mais quente. Isso significa parar de lançar na atmosfera, até 2050, dióxido de carbono proveniente da queima de combustíveis fósseis e encontrar uma forma de remover boa parte do que já está presente no ar. Não se enganem com o discurso oficialesco de que o Brasil vem fazendo a sua parte. O país figura entre os dez maiores emissores de gases de efeito estufa, juntamente com China, Estados Unidos, União Europeia, Índia, Rússia, Japão, Indonésia, Irã e Canadá.

Ambientalistas podem ser chatos e ter o anticapitalismo na sua agenda. Ouvir falar em sustentabilidade dá arrepios. Mas só idiotas, em geral os mesmos que negam a gravidade da pandemia de Covid, não percebem o que está ocorrendo no planeta e ainda podem duvidar de que o aquecimento global não é fruto da ação humana. Não se trata mais de se emocionar com a foto do urso polar isolado em cima de um pedaço de iceberg (de resto, apenas uma metáfora, por se tratar de evento desde sempre comum) e depois encher o tanque com gasolina, como se a coisa toda não nos dissesse respeito. Nós hoje somos os ursos polares. Não há nada de eco-socialismo, ou algo que o valha, na constatação. Por mais que digam o contrário, o capitalismo é o único sistema capaz de encontrar soluções para a armadilha que criamos. É o único sistema que pode fazer uma nova revolução industrial, para que sigamos adiante, sem inviabilizar a vida na Terra tal como a conhecemos. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticos dá a medida da urgência de criarmos outros paradigmas, não mais para os nossos netos, mas para os nossos filhos.

“Há pouca esperança enquanto os estados deixarem de tomar decisões políticas ambiciosas e restritivas”, dizem os cientistas que assinam o relatório. Uma decisão ambiciosa, por exemplo, vem ganhando forma na Europa: o banimento de veículos movidos a combustíveis fósseis até 2035. O esforço é o de aperfeiçoar os carros elétricos, com essas baterias atualmente aborrecidíssimas para carregar, a fim de que tenham desempenho próximo, em matéria de autonomia e velocidade, ao dos veículos movidos a gasolina. Não é impossível. Só não foi feito antes porque estamos viciados em petróleo, assim como já fomos viciados em tração animal e máquinas a vapor. 

O mundo está acabando, mas outro começo é possível, com o perdão do lugar-comum que também pode acabar esturricado. 

Mario Sabino 

https://www.oantagonista.com/mundo/nos-somos-os-ursos-polares/

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