Por Joyce Ribeiro
"Nossa Senhora é minhã mãe, nossa mãe. Ela é tudo na vida da gente, né? É uma emoção que não dá pra descrever, não tem palavras", afirmaram os devotos. Para pedir ou agradecer pela graça alcançada, o Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, recebe ao ano doze milhões de fiéis. É como se toda a população da cidade de São Paulo passasse pela basílica ao menos uma vez no ano.
A origem da pequena santa de barro, de apenas 36 centímetros, é incerta. Tudo o que se sabe é que ela foi criada por um artista muito provavelmente para homenagear a padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição. Mas ao perder a cabeça, foi descartada nas águas do barrento rio Paraíba do Sul, na então Vila de Guaratinguetá. Até que em 1717, os pescadores João Alves, Domingos Garcia e Felipe Pedroso encontraram a imagem: o corpo e depois a cabeça. E o primeiro milagre aconteceu: a abundância de peixes no rio.
De acordo com o arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, não é por acaso que a santa, originalmente branca, ganha aspectos de um Brasil ainda colonizado e escravocrata: "Três pescadores então havia uma pequena igreja ali naquele barco que agora são 12 milhões. Quebrado está o Brasil, que naquele tempo estava quebrado pela escravatura. Então aqui a Nossa Senhora assumiu a fisionomia daqueles mais sofridos, que eram os afros e os escravos".
Três séculos depois, a imagem ainda é contemplada em todo o país. Sheila Rodrigues Barbosa é de Apiaí, no interior de SP, e trabalha na capital. Ela aproveitou as férias para cumprir uma promessa: seguir de joelhos os 392 metros da passarela da Fé, que liga as basílicas velha e nova. Quando a reportagem encontrou a policial militar, ela estava com lágrimas nos olhos porque acabava de concluir o trajeto de uma hora debaixo de sol. "No ano passado eu tava em uma das fases e vim aqui pedir pra Nossa Senhora para interceder por mim, pra que eu passasse. Hoje eu vim pra agradecer porque graças a ela, eu consegui o meu cargo. Foi um pouquinho cansativo, dói um pouco os joelhos mas na fé a gente consegue", contou.
Em 1978, a adoração à imagem da santa foi posta à prova quando Rogério Marcos de Oliveira, de 19 anos, aproveitou um blecaute na igreja para pegar a imagem. Ao cair, restaram 165 pedaços da padroeira e mais um tanto de pó. Quase não sobrou nada da cabeça. Cogitou-se substituir a imagem por uma réplica, mas o restauro foi feito no MASP.
Na década de 1980, o santuário foi inaugurado e a santa guardada em uma caixa de ouro com vidro blindado a 4 metros de altura. Mesmo sem poder tocar a imagem, os devotos não perdem a oportunidade de fazer uma oração silenciosa ou até uma selfie. A mineira Junara Paiva é de Uberlândia e visitava o santuário pela primeira vez. "É meu aniversário e resolvi celebrar aqui, nos pés dela. A minha mãe me liga e fala: filha fica sob o manto de Nossa Senhora, que ela te proteja. Então as lágrimas vêm mesmo, não tem como fugir", revelou.
O Santuário de Aparecida é o segundo maior templo católico do mundo, perde apenas para a basílica de São Pedro, no Vaticano. Para o filósofo e comentarista da CBN, Mário Sergio Cortella, as pessoas recorrem à fé para dar sentido à vida. "Para nós nos sentirmos mais protegidos e não ficarmos abandonados, é preciso que a gente acredite, em muitas situações, que há forças que são superiores e anteriores a nós e que podem nos ajudar a existir", explicou.
