Cargos secretos: MP descobre mais R$ 22 milhões em saques em dinheiro vivo
Nova leva de dados do Banco Bradesco encaminhada ao MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) revela que funcionários com cargos secretos da Fundação Ceperj sacaram R$ 22 milhões em dinheiro vivo entre setembro e dezembro do ano passado.
O valor se soma aos saques de R$ 226,4 milhões já conhecidos referentes ao período de janeiro a julho deste ano. Ao todo, os saques em espécie chegam a R$ 248,4 milhões —o valor equivale a 91% do total pago aos funcionários da Ceperj desde setembro do ano passado.
Evolução. Os novos dados comprovam uma curva ascendente
nos pagamentos. Em setembro de 2021, quando os projetos sem transparência começaram a ganhar vulto, gastou-se apenas R$ 1 milhão.
Em dezembro, o valor chegou a R$ 13 milhões.
Em julho, atingiu R$ 72 milhões.
Nos últimos quatro meses do ano passado, 11.674 pessoas foram contratadas em cargos secretos pela Ceperj.
O número saltou para 27.665 entre janeiro e julho deste ano.
Ao todo, entre saques em dinheiro vivo e depósitos em conta corrente, os contratados receberam R$ 272,6 milhões.
A evolução coincide com a aproximação da eleição deste ano, em que o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), concorre para permanecer no cargo.
Conforme mostrou o UOL, há suspeitas de que as contratações tenham sido usadas para fins políticos.
O MPE (Ministério Público Eleitoral) investiga esses indícios tanto na Ceperj quanto na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
O que diz o governo.
O governo nega que tenha havido qualquer ilícito eleitoral e afirma que "todos os pedidos apresentados até o momento pelas instituições de controle estão sendo cumpridos".
Procurada, a assessoria de imprensa do governo do RJ disse em nota que, "desde o início das denúncias relacionadas à prestação de serviços para os programas sociais da Fundação Ceperj, o governador Cláudio Castro determinou transparência e diálogo constante entre o governo do estado, Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado".
O governo Castro também destaca que criou uma Comissão Especial de Auditoria e Transparência para apurar os convênios e contratações da Ceperj.
Em família. Os dados sobre pagamentos do ano passado revelam que Renata Ferreira Ramos Ribeiro foi quem recebeu mais da Ceperj entre setembro e dezembro de 2021: R$ 105,2 mil.
Há dez anos, ela se casou com Thiago Larangeira, ex-diretor do Ceep (Centro de Estatísticas, Estudos e Pesquisas), órgão da Ceperj.
O setor que ele comandava era o responsável pelas contratações em cargos secretos.
Ele foi exonerado a pedido próprio, em agosto, em meio à crise no órgão.
Larangeira foi um dos que negaram ao UOL, em abril, acesso aos dados solicitados via LAI (Lei de Acesso à Informação) sobre as folhas de pagamento dos projetos tocados com recursos transferidos de diversas pastas do governo fluminense.
À época, ele respondeu que não seria possível enviar os dados à reportagem "sem comprometer o andamento das atividades rotineiras do setor".
Dos R$ 105,2 mil recebidos por Renata Ribeiro em 2021, R$ 65,8 mil foram sacados na "boca do caixa" —isto é, em espécie.
Somente em dezembro, ela retirou um total de R$ 39,3 mil nos dias 9 e 21.
Ao todo, até julho deste ano, ela ganhou da Ceperj R$ 149,2 mil —a quarta pessoa que mais recebeu do órgão.
A mãe de Renata, Lucilia de Jesus Ferreira Ramos Ribeiro, também foi contratada: ao todo, recebeu R$ 54,8 mil.
O governo do RJ disse, em nota, que as três pessoas citadas pela reportagem não exercem mais nenhum tipo de atividade para a Ceperj.
O UOL não conseguiu contato com os citados. O espaço segue aberto para que eles se manifestem.
Saques fora do RJ.
Na soma dos valores de setembro de 2021 a julho deste ano, o Rio de Janeiro foi a cidade onde houve mais pagamentos da Ceperj: R$ 110,2 milhões.
Em seguida, surge Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, com R$ 13,3 milhões.
Pelos dados enviados pelo Banco Bradesco ao MP-RJ, a capital paulista foi a cidade fora do estado do Rio onde houve mais pagamentos: R$ 219,6 mil. Em seguida, vem Canoas (RS), com R$ 124 mil.
Ao todo, por esses registros, R$ 2 milhões foram pagos em agências fora do estado.
O Bradesco é o banco que paga os servidores do Rio.
Os projetos da Ceperj só eram realizados em território fluminense, o que acendeu o alerta do MP-RJ para possíveis funcionários fantasmas de outros estados.
Situação atual.
O MP-RJ segue
investigando os cargos secretos da Fundação Ceperj e, nas últimas semanas do ano, deve começar a colher depoimentos.
As principais suspeitas são da prática de "rachadinha" —quando o contratado repassa parte da remuneração a quem o indicou— e da presença de funcionários fantasmas.
Os promotores também solicitaram ao Bradesco imagens de agências onde houve saques para checar se há indícios de que havia pessoas que concentravam os recursos sacados.
Em agosto, a Justiça do RJ determinou a suspensão de novas contratações e pagamentos da Ceperj.
A Secretaria da Casa Civil concluiu neste mês um relatório a respeito dos projetos da fundação que embasou decisão de Cláudio Castro de extinguir os projetos Esporte Presente, Agentes de Trabalho e Renda, Casa do Consumidor, Cultura para Todos, Resolve RJ e Junta Perto de Você.
Castro também determinou o envio a órgãos do governo da relação de pessoas nomeadas em cargos estaduais e que recebiam ao mesmo tempo da Ceperj a fim de que sejam instaurados procedimentos administrativos disciplinares.
Foram identificados na lista de cargos secretos 378 nomes de agentes públicos da Alerj (Assembleia Legislativa do RJ) e do Executivo fluminense. Ao todo, 1.220 integrantes de cargos públicos, incluindo prefeituras e câmaras municipais, faziam parte da lista da Ceperj.
O governo do RJ afirmou que "todos os programas passam por processo de tomada de contas, portanto, diante de qualquer irregularidade em relação à prestação de serviços, serão abertos procedimentos administrativos disciplinares, no caso de servidores estaduais, ou serão tomadas providências judiciais no caso de contratados que não são funcionários públicos".
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