Bolsonaro deixa um cenário de terra arrasada que prejudicará o Brasil por muitos anos
Ministérios desmontados, retrocesso em ações públicas, economia em frangalhos, apagão de informações e corrupção liberada. A política destrutiva do governo Bolsonaro vai impactar uma geração inteira
Alguns países precisam ser reconstruídos após enfrentar tragédias incontornáveis ao longo de sua história, como catástrofes naturais ou guerras devastadoras.
O Brasil passou por outro tipo de emergência.
Eleito dentro da normalidade democrática, sem enfrentar batalhas externas e com uma economia razoavelmente estruturada, Jair Bolsonaro conseguiu em apenas três anos provocar um cenário de destruição.
Desmontou estruturas de Estado e jogou um pá de cal em políticas públicas construídas ao longo de décadas.
Ele é a tragédia brasileira.
É difícil encontrar uma área que o mandatário não tenha transformado em terra arrasada.
Na Saúde, aparelhou o ministério com militares e negacionistas profissionais que tentaram reverter uma tradição de imunização laboriosamente construída ao longo de décadas pelo SUS.
O País ficou acéfalo diante da pandemia, salvo o esforço heróico de profissionais abnegados e agências que conseguiram resistir ao assalto.
Na hora de comprar vacinas, além de impedir a compra de imunizantes, o presidente abriu a porteira para quadrilhas e oportunistas que tentaram enriquecer com verbas bilionárias, tudo fartamente documentado pela CPI da Covid.
A destruição em todos os setores virou uma política de Estado com Bolsonaro
Na Educação, apenas para citar um dos casos mais extravagantes, o governo criou obstáculos para o avanço da digitalização de escolas, impedindo a conexão por banda larga de unidades pelo País.
O Enem, programa que permitiu a democratização do acesso e a racionalização no ensino superior público, praticamente foi inviabilizado.
A equipe técnica da pasta foi substituída por amadores e fanáticos ideológicos, uma intervenção que não acontece sem consequências.
O ensino requer anos de trabalho contínuo para apresentar resultados.
Sua destruição é fácil e rápida, como os países em guerra civil testemunham.
Quantos anos de atraso na área o governo Bolsonaro vai impor?
Os investimentos na Ciência, igualmente, foram arruinados, provocando a fuga de talentos para o exterior.
Esse dado é particularmente alarmante para o avanço do País.
Como a educação, a pesquisa científica é o passaporte para o futuro, uma condição necessária para o aumento da produtividade, o desenvolvimento da indústria e o avanço tecnológico.
Tamanho retrocesso vai comprometer pelo menos uma geração de brasileiros.
Para se eleger, Bolsonaro se apropriou do projeto econômico ultraliberal do economista Paulo Guedes, um outsider como ele que é igualmente refratário a consensos e a negociações políticas.
Guedes prometeu uma revolução com a privatização e venda de ativos públicos, além de mudanças estruturais que reduziriam o Estado de forma inédita, deslanchando os investimentos privados.
Esse projeto megalômano e autoritário chocou-se com as instituições e a realidade, desorganizou cadeias produtivas, afastou investidores e fez o País voltar a indicadores que já pareciam superados.
O dólar disparou para R$ 5,60.
A inflação atingiu 10,06% em 2021, reduzindo o poder de compra e desorganizando os orçamentos familiares.
O cidadão sente na pele.
O botijão de gás aumentou 50% em 12 meses, a gasolina aumentou 43,2% e a cesta básica avançou 30%.
O desemprego atingiu o número recorde de 14,8 milhões de trabalhadores.
Mesmo com um pequeno recuo, esse índice se manterá no patamar de 14 milhões de desempregados este ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Após uma grande queda nas taxas de juros operada pelo Banco Central (insustentável, como se constatou), a Selic voltou aos dois dígitos, onde deve permanecer até pelo menos o próximo ano.
Um dos maiores ganhos institucionais do País desde a redemocratização foi a introdução da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ela foi fundamental, por exemplo, para o crescimento nos anos 2000 com controle inflacionário.
Até essa evolução está ameaçada pelo governo Bolsonaro.
O teto de gastos (que necessitava ajustes, ignorados pelo governo) virou letra morta, liberando as contas públicas para uma farra de gastos populistas e eleitoreiros, na contramão do interesse público.
A invenção do orçamento secreto para comprar apoio político no Congresso, driblando a opinião pública, marcou a entrega do Orçamento público para os interesses paroquiais e escusos, revivendo uma prática que ameaça a democracia e havia sido extirpada no mensalão.
A folia com as contas públicas e o populismo fiscal assombrarão a população por muitos anos.
A PEC dos Precatórios, que implodiu na prática o teto de gastos, consagrou o calote oficial e aumentou a insegurança jurídica, um dos pilares do custo Brasil.
Criará uma bola de neve na dívida pública que pode alcançar a estratosférica cifra de R$ 900 bilhões.
Da mesma forma, as pedaladas do governo Bolsonaro nas contas do setor elétrico deixarão uma bomba inflacionária, com um passivo de R$ 140 bilhões a ser repassado aos consumidores em 2023, segundo o Instituto Clima e Sociedade (iCS).
A próxima gestão terá de lidar com essa disparada nas contas de luz, problema convenientemente jogado para baixo do tapete pela gestão atual.
E isso sobre aumentos que já foram enormes.
Sem contar as bandeiras tarifárias acionadas pela crise hídrica, a conta de luz sob Bolsonaro já subiu 35% desde janeiro de 2019, quase duas vezes a inflação medida pelo IPCA.
Dados da Aneel mostram que quase 40% dos consumidores já atrasaram a conta de luz por pelo menos um mês, maior índice desde 2012.
E não é apenas aí que o consumidor, principalmente o de baixa renda, enfrenta dificuldades.
No final de 2021, a proporção de brasileiros endividados bateu um recorde: 76,3%.
Coronelismo
Ao invés da fartura prometida, os anos Bolsonaro são marcados pelo aumento da miséria e pela volta da fome, com cenas dantescas de pessoas disputando ossos em caminhões.
A insensibilidade social é patente.
O chefe do Executivo se elegeu criticando o Bolsa Família por ser um benefício viciado que perpetua a pobreza.
No poder, não fez nada para aperfeiçoá-lo.
Ao contrário, para tentar recuperar a popularidade perdida, turbinou o programa e o rebatizou.
Mas fez isso de forma açodada, ignorando a contribuição de técnicos que ajudaram a conceber e aperfeiçoar o programa.
Como não há plano para uma transição social dos pobres por meio de políticas públicas, foi eliminada a necessidade de frequência escolar e vacinação obrigatória das crianças.
É a confissão da intenção eleitoreira com o Auxílio Brasil.
Trata-se, na verdade, de um regresso ao cabresto e ao coronelismo.
Bolsonaro nunca teve um programa para erradicar a miséria.
Ao contrário. Deixou isso patente ao vetar a adoção de um regime de metas contra a pobreza, mecanismo proposto por um político do PP (partido do Centrão que virou pilar de sustentação do governo).
O avanço foi descartado sumariamente pelo presidente.
Poucas áreas mostraram de forma tão cabal o desmanche quanto o meio ambiente.
As queimadas calcinaram a imagem internacional de Bolsonaro, tornaram ele um pária e emperraram acordos comerciais. Também nesse caso não se trata de um desastre natural. O presidente patrocinou abertamente grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais. Órgãos de fiscalização como Ibama e ICMBio foram desmantelados. Agentes da Polícia Federal que zelavam por operações contra o tráfico de madeira foram afastados e perseguidos. O resultado, segundo o Instituto Amazon, foi o maior desmatamento na Amazônia em 14 anos
com expansão de 29% apenas em 2021. E não é apenas o próximo governo que sentirá os efeitos de tamanha destruição. A devastação da Amazônia está mudando o regime de chuvas, o que causará prejuízos bilionários ao longo dos anos ao agronegócio.
Para espanto dos especialistas e da comunidade internacional, o presidente se orgulha desse feito. Num evento em Brasília, ele anunciou com orgulho que o governo reduziu em 80% as infrações ambientais. “Paramos de ter grandes problemas com a questão ambiental, em especial no tocante à multa”, comemorou. Também elogiou o ex-ministro Ricardo Salles, investigado por suspeita de envolvimento com madeireiros ilegais. Na visão do presidente, dar sinal verde aos crimes ambientais é uma forma de estimular o progresso. É a mesma lógica torta que permitiu a expansão das milícias no Rio de Janeiro porque coibiriam os traficantes. O resultado é a que as milícias assumiram o comércio de drogas e viraram elas mesmas megafacções criminosas, incrustradas no Estado.
Na segurança pública Bolsonaro conseguiu um de seus maiores feitos. Relaxou as regras de controle de armamentos sofisticados pelo Exército, eliminando o rastreamento e permitindo que grupos fora do radar das autoridades criassem arsenais. É um desastre que ainda está em progresso. Os efeitos dessa aberração serão sentidos no futuro e a sua reversão, se for possível, ocorrerá apenas com um custo gigantesco para a sociedade. Desde que a violência urbana explodiu nos anos 1980, nunca a criminalidade tinha tido uma perspectiva tão favorável. Os próximos governos terão um desafio enorme para conter a expansão do crime organizado, que agradece a janela de oportunidade proporcionada pelo presidente armamentista. A volta da impunidade e da corrupção, da mesma forma, são marcos da administração. Bolsonaro aparelhou a Polícia Federal e tentou interferir em órgãos de controle como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras para impedir as investigações contra sua família. Desestimulou medidas que endureceriam o crime do colarinho branco no Congresso e nomeou um Procurador-Geral da República comprometido com o fim da Lava Jato, o que foi executado com sucesso. Avanços como a Lei da Transparência e a Lei de Acesso à Informação viraram letra morta com o regresso a práticas nefastas de opacidade na administração pública. Um sinal aberrante dessa conduta foi a decretação de sigilo ao longo de um século do processo do general Pazuello por desrespeitar o regulamento militar, medida que acaba de ser confirmada. Os próprios números reais da pandemia são desconhecidos por causa de um apagão de dados públicos causado supostamente por um ataque hacker ao Ministério da Saúde. No começo da crise sanitária, Bolsonaro explicitamente tentou esconder e maquiar os dados públicos, como fazem os ditadores em repúblicas de bananas.
O governo tenta usar a pandemia como desculpa para tantos resultados decepcionantes. É uma falácia. O País está se saindo pior do que todos os seus pares, que enfrentam as mesmas dificuldades. A taxa de crescimento e o nível de inflação são piores do que a maioria dos outros países com o mesmo estágio de desenvolvimento.
O real foi uma das moedas que mais perdeu valor no planeta. A emergência sanitária não tirou o País de seu curso. Ela expôs a incompetência de um governo que priorizou a insurreição e o ataque às instituições, apostando que um golpe de Estado poderia interromper o ciclo democrático e fazer o País voltar a um desenvolvimentismo passadista, como aconteceu na ditadura. O mundo se prepara estrategicamente para o cenário pós-Covid enquanto o governo, sem qualquer norte, mergulha em aberrações populistas e no uso escancarado do Orçamento apenas para garantir mais quatro anos de mandato para Bolsonaro.
A herança do governo Bolsonaro será adversa como poucas vezes na história do País. Pior do que o abismo hiperinflacionário legado por Sarney e Collor, mais grave do que o colapso provocado por Dilma Rousseff com a maior recessão da história. E o custo será cobrado na forma de menos crescimento e mais desigualdade. O País deixou de ser uma prioridade para os investidores há muito tempo e vai se afastar ainda mais de seu objetivo de apresentar indicadores próximos aos países desenvolvidos.
Nada disso foi acaso.
“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz”, discursou candidamente Bolsonaro a lideranças conservadoras, em Washington (EUA), em março de 2019. A justificativa, na época, é que ele precisava afastar a ameaça “comunista” para depois implantar as bases de uma nova nação por meio de uma “revolução”. A lógica obtusa e enviesada, que já prenunciava o desmonte do Estado, caiu como uma luva para interesses escusos e objetivos criminosos.
O projeto devastador estava lá, às claras, desde o início.
Três anos depois, o presidente provou que está cumprindo a promessa ao pé da letra.
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