Médico de Mogi consegue visto humanitário e traz doentes brasileiros do Japão para o Brasil na pandemia

              Por Gladys Peixoto, G1 Mogi das Cruzes e Suzano


Médico Olavo Ribeiro, de Mogi das Cruzes, traz pacientes do Japão para o Brasil voluntariamente há 16 anos — Foto: Arquivo Pessoal

Médico Olavo Ribeiro, de Mogi das Cruzes, traz pacientes do Japão para o Brasil voluntariamente há 16 anos — Foto: Arquivo Pessoal

Há 16 anos o cirurgião de tórax e pneumologista de Mogi das Cruzes Olavo Ribeiro Rodrigues, de 72 anos, auxilia voluntariamente pacientes brasileiros que vivem no Japão a voltarem ao Brasil para tratar diversos tipos de doença. 


Mas com a pandemia da Covid-19, o trabalho que já não era simples se tornou ainda mais complexo.

Os casos que o médico auxilia são de pacientes com câncer, necessidade de transplante de órgãos, AVC, doenças renais, diabetes avançada entre outras que exigem agilidade no tratamento. A escolha é do paciente de ser tratado no Brasil.

Em 16 anos atuando como voluntário de uma ONG que ajuda os brasileiros doentes a retornarem ao país, Rodrigues já trouxe mais de 30 doentes. “A maioria é de São Paulo, mas já trouxe gente de Londrina, Maringá, Cascavel no Paraná, de Pernambuco e Mato Grosso.”

Missão na pandemia


Mesmo com todos os obstáculos, ele embarcou neste ano em mais uma viagem e chegou ao Brasil no começo de abril trazendo três pacientes. Diante da situação sanitária mundial, desta vez a viagem só foi possível porque o médico conseguiu um visto humanitário para cruzar o mundo em mais uma missão nesses 47 anos em que exerce o ofício da medicina.

O primeiro caso da pandemia chegou no final de 2020, mas o visto do médico havia sido suspenso pelo governo japonês por conta da pandemia. Então, começou uma corrida contra o tempo.

O médico conta que tentou um visto em novembro e dezembro e não conseguiu. Em janeiro ele tentou novamente, mas com a chegada da segunda onda no Brasil e o surgimento de uma nova cepa do novo coronavírus em Manaus, o Japão restringiu ainda mais a entrada de estrangeiros, especialmente brasileiros, africanos e de habitantes do Reino Unido.

“Em fevereiro surgiu o segundo paciente. Eu pedi para conversarem com o cônsul de São Paulo. O governo do Brasil no Japão, o embaixador, fez pedido para o Ministério de Relações Exteriores do Japão. O Ministério do Japão fez uma autorização para o cônsul japonês em São Paulo fornecer um visto para mim e a enfermeira que me acompanha”, explica Rodrigues.

Ele completa que conseguiu um visto humanitário que é concedido em regime de exceção para cumprimento de uma missão humanitária que é resgatar alguém vulnerável. O visto foi concedido em 22 de março, dois dias antes do embarque do médico e da enfermeira.


O trabalho do médico começa muito antes do embarque. Ainda no Brasil ele fica em contato com a equipe médica japonesa que trata do doente e vai avaliando a situação de cada paciente. Antes de viajar, ele já deixa acertada toda a logística de transporte. “Sempre conto com o apoio dos familiares nessa etapa e solicito uma vaga no hospital da cidade de domicílio do paciente e uma ambulância para o transporte. O governo do Paraná, por exemplo, como é transporte interestadual, tem enviado um táxi aéreo, que é um avião de pequeno porte com UTI a bordo gratuito pelo SUS.”

Olavo Ribeiro encerra o trabalho quando chega ao Brasil e entrega o paciente aos médicos das ambulâncias que vão levá-los às suas cidades de origem.

A missão do médico não é nada fácil. Além de analisar as condições do paciente ainda no Brasil, fazer a visita e o preparo dele no Japão, ainda enfrenta uma viagem que pode durar até 32 horas no retorno, contando com escalas de até seis horas, com assistência ininterrupta.

O trabalho de Olavo Ribeiro começou em 2005 quando atendeu ao pedido de uma família de Mogi das Cruzes para que ele fosse buscar o filho deles no Japão. O estado de saúde do rapaz era grave e ele precisava fazer um transplante de coração. “Por questões culturais e religiosas a doação de órgãos é pequena no Japão.”

Desde então não parou mais. Há 15 anos faz parte da ONG Serviço de Apoio aos Brasileiros Trabalhadores no Japão (Sabja) e para o trabalho recebe as passagens aéreas, acomodação em hotéis, alimentação e traslados em todo o território japonês.

“Somos levados a visitas nos hospitais japoneses e realizamos discussões clínico cirúrgicas acerca de riscos e benefícios na transferência ao Brasil, recebemos apoio das autoridades diplomáticas, nossos consulados e nossa embaixada no Japão são nossos parceiros nessas missões humanitárias. Quando preciso trasladar dois ou três doentes simultaneamente levo enfermeiros e estes recebem uma remuneração pelo trabalho prestado.”


Com tanto tempo executando a missão, Olavo Ribeiro se diz satisfeito com os resultados alcançados.

“Nesses anos já fiz ou coordenei o traslado de 33 pacientes e tive apenas um óbito hospitalar ainda no Japão . De modo que estou consciente do dever cumprido.”


 

Gratidão

Reginaldo Oshima, de 43 anos, foi um dos pacientes que retornaram com o médico em abril. Ele trabalhava em uma indústria no Japão há 25 anos, produzindo peças de motocicleta.

Rosana Oshima Ribeiro de Mendonça, de 45 anos, é irmã de Reginaldo e conta que ele tem câncer na garganta e que foi desenganado pelos médicos japoneses. “Eles disseram que já tinham feito tudo, radio e quimioterapia, e queriam levar ele para um local para receber medicamento para tirar a dor”, diz Rosana.

Por isso, a família decidiu trazer Oshima para o Brasil na esperança de uma nova avaliação e continuidade do tratamento. Ela afirma que sem a ajuda do médico de Mogi das Cruzes não conseguiria trazer o irmão para São José do Rio Preto onde a família reside. “Eu já morei no Japão e tentei buscar, mas eles não liberam sem o acompanhamento de um médico na viagem. E não teríamos condições de contratar um médico para isso.”


Rosana detalha que Olavo Rodrigues foi até o hospital onde o irmão estava e cuidou da papelada para a liberação do paciente. “Doutor Olavo é uma benção e foi essencial o papel dele para o retorno do meu irmão. Teve uma época que a gente perdeu as esperanças e achou que não ia conseguir trazer ele de volta. Mas meu irmão está em casa agora.”

Quarentena no Japão

Os pacientes do médico Olavo Ribeiro Rodrigues precisaram esperar mais alguns dias por ele. Ao chegar ao país no final de março, ele teve que cumprir uma série de protocolos para sua entrada definitiva em solo japonês por causa da Covid-19.

O médico e a enfermeira fizeram um teste de PCR no aeroporto japonês. Como o teste deu negativo, eles foram levados de ônibus até um hotel no complexo do aeroporto onde ficaram hospedados por três dias.

“Recebemos três refeições e não pudemos sair do quarto do hotel. É abrir a porta para pegar a comida que é deixada no chão. Não pode sair no corredor que tem um segurança vigiando. Depois de três dias de isolamento mandam um kit de coleta de saliva para um novo teste. Recebe uma ligação no quarto que informa o resultado se é negativo pode entrar, mas se for positivo levam para um hospital onde fica 14 dias internado no hospital.”

No caso do médico e da enfermeira, o teste foi negativo. Eles também tiveram que assinar um termo se comprometendo que não utilizariam transporte, seja ônibus, trem, avião ou barco, e que o deslocamento seria feito apenas de carro. E, finalmente, puderam começar o atendimento aos pacientes, mas sempre monitorados pelo governo japonês por meio de dois aplicativos.

O médico conta que em um aplicativo precisava diariamente às 14h enviar um questionário respondendo sim ou não se estava com febre, tosse e dor de garganta. A resposta ia para o para o Centro de Contingência do Coronavírus. 

“Outro aplicativo é georreferenciamento para sabe onde você está passando no país. Ele mostra em tempo real o itinerário, quantas vezes saiu do hotel para ir ao hospital, onde ficou hospedado. Se surgir caso de Covid na semana seguinte no trajeto que passei vão descobrir que eu que passei a doença. Com isso, eles conseguem evitar que passageiro ou estrangeiro contamine o povo japonês.”

Trabalho Complexo

A logística do trabalho do médico é grande e envolve muitos órgãos no Japão. O trabalho de Olavo Ribeiro começa ainda no Brasil. “Começa com mensagem do consulado ou da embaixada. Depois ligo para o hospital para conversar com o médico japonês que cuida do doente, depois com a família do doente por qual motivo ele quer voltar.”

Ele também recebe um relatório dos médicos japoneses para entender que tipos de equipamento vai precisar levar do Brasil para trazer o paciente de volta, por exemplo, cardioscópio, oxímetro, bombas de infusão de medicamentos, aspiradores de secreções, sondas de demora para alimentação e coleta, drogas vasoativas, desfibriladores, etc.

Todo o trabalho pode ser feito porque o médico fala japonês e inglês. A esposa de Olavo Ribeiro nasceu no Brasil, mas é filha de japoneses. Ele aprendeu o idioma com a família da esposa e em 1989 ampliou os conhecimentos quando fez uma especialização em cirurgia do tórax e foi estagiar em um hospital no Japão.

“Em Mogi quase 50% dos meus pacientes são japoneses e descendentes. Sempre sou chamado para atender japoneses idosos e isso me possibilita não esquecer o idioma", diz.

O médico detalha que são três consulados que o Brasil tem no Japão: um em Nagoya, um em Hamamatsu e outro em Tóquio. “Cada um tem o cadastro de brasileiros nessas regiões. O doente recorre ao consulado brasileiro de sua jurisdição que entra em contato comigo. O de Nagoya é o que mais chama e é onde tem mais brasileiros trabalhando. Também tem uma ONG, o Serviço de Assistência aos Trabalhadores Brasileiros no Japão (Sabja) que auxilia nesse processo. Ela funciona há 25 anos no Japão e foi criada quando começou a migração e a criação da comunidade brasileira lá.”


No Japão ele fica entre sete a oito dias para preparar o paciente. Um trabalho que também conta com o auxílio de médicos e enfermeiros japoneses que estão tratando dos doentes.

Olavo Ribeiro faz isso em cada uma das cidades onde os pacientes estão. “Com tudo pronto as ambulâncias levam os doentes ao aeroporto e todos chegam ao portão de embarque juntos e embarcamos. Nunca na classe econômica por conta do espaço. É preciso ir na executiva com poltrona reclinada. Se precisar monto uma mini UTI no avião.”

O custo do traslado do paciente do Japão para o Brasil varia entre R$ 28 mil até R$ 150 mil, em média, segundo o médico. Ele destaca que as empresas aéreas não permitem pacientes em estado grave ou gravíssimo em voos comerciais domésticos ou internacionais sem acompanhamento médico “Vai depender da empresa aérea, lotação da aeronave, época do ano, tudo isso faz custo variar. Com a pandemia tem muita poltrona vazia e a empresa baixa o preço.”

O número de poltronas necessárias varia de acordo com o estado do paciente. “Tem caso em que é necessário transportar o paciente em uma maca especial, Aí é preciso remover de seis a oito poltronas e essa maca é parafusada no solo já no final do avião. Precisa colocar três cinturões para decolagem e aterrissagem e para ficar seguro se houver turbulência.”

Olavo Ribeiro Rodrigues mostra visto humanitário que conseguiu para buscar pacientes no Japão durante a pandemia — Foto: Olavo Ribeiro Rodrigues/ Arquivo Pessoal
Olavo Ribeiro Rodrigues mostra visto humanitário que conseguiu para buscar pacientes no Japão durante a pandemia — Foto: Olavo Ribeiro Rodrigues/ Arquivo Pessoal


O médico explica que o custo da operação é pago pela família do paciente, Sabja, autoridade diplomática brasileira e autoridade japonesa por meio de um auxílio concedido pelo governo para o doente.


https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2021/04/24/medico-de-mogi-consegue-visto-humanitario-e-traz-doentes-do-japao-para-o-brasil-na-pandemia.ghtml

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