Aras 'precisa cumprir o seu papel' e investigar Bolsonaro, dizem subprocuradores

 Seis subprocuradores-gerais da República, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal, cobraram de Augusto Aras medidas para investigar e responsabilizar Jair Bolsonaro por crimes comuns, pela sabotagem no combate à pandemia de Covid-19.

Em resposta à nota lançada ontem, em que a Procuradoria Geral da República afirmou que cabe ao Legislativo responsabilizar o presidente por crimes de responsabilidade, os subprocuradores afirmaram, também em nota, que Arasprecisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal”. 

“Devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo – independentemente de ‘inquérito epidemiológico e sanitário’ na esfera do próprio Órgão [Ministério da Saúde] cuja eficácia ora está publicamente posta em xeque –, e sem excluir previamente, antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade (CF, art. 102, I, b e c)”, diz a nota. 

Eles também condenaram a afirmação da PGR de que o estado de calamidade pública é a “antessala” de um estado de defesa.

“A defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um “estado de defesa” e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente”, diz a nota dos subprocuradores. 

Assinam o texto José Adonis Callou de Araújo Sá, José Bonifácio Borges de Andrada, José Elaeres Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mario Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino.


NOTA

Os Subprocuradores-Gerais da República signatários, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal, vêm expressar sua preocupação com a nota publica do senhor Procurador-Geral da República Augusto Aras, divulgada em 20.1.2021, em que Sua Excelência afirma, entre outras coisas, que o “estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa” e informa haver requisitado “inquérito epidemiológico e sanitário” ao Ministério da Saúde. Referida nota parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabilidade da competência da Supremo Tribunal Federal, conforme artigo 102, I, b e c, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao Procurador-Geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional. 

O Brasil enfrenta, desde o início de 2020, grave crise sanitária causada pelo novo Corona Vírus, com vasta repercussão social, econômica e política, tendo a doença já causado a trágica morte de mais de 211 mil brasileiros. A gravidade da pandemia ensejou a união de esforços da comunidade científica, de empresas, entidades estatais e organismos internacionais, para estudos e produção de vacinas, em breve tempo. No Brasil, tivemos a associação de esforços de instituições como Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz, com empresas e entidades de outros países, para desenvolvimento e produção de vacinas.

Contudo, nesse cenário mundial de adoção de medidas de prevenção da propagação da doença e de mobilização de recursos e estudos para produção de vacinas, tivemos no Brasil diferente realidade, que nos conduziu ao agravamento como se verifica, por exemplo, em Manaus, desde a última semana, com o desabastecimento de cilindros de oxigênio, causando mortes de pacientes por asfixia e transferência emergencial de outros para tratamentos em estados diversos.

No Brasil, além da debilidade da coordenação nacional de ações para enfrentamento à pandemia, tivemos o comportamento incomum de autoridades, revelado na divulgação de informações em descompasso com as orientações das instituições de pesquisa científica, na defesa de tratamentos preventivos sem comprovação científica, na crítica aos esforços de desenvolvimento de vacinas, com divulgação de informações duvidosas sobre a sua eficácia, de modo a comprometer a adesão programa de imunização da população. Não bastassem as manifestações de autoridades em dissonância com as recomendações das instituições de pesquisa, tivemos a demora ou omissão na aquisição de vacinas e de insumos para sua fabricação, circunstância que coloca o Brasil em situação de inequívoco atraso na

vacinação de sua população.


A controvertida atuação do Governo Federal levou o Supremo Tribunal Federal a proferir decisões que reconhecem a competência concorrente e asseguram que os Governos Estaduais e Municipais adotem as medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia, o que evidentemente não exime de responsabilidade o Governo Federal, conforme ampla e claramente

afirmado e reiterado pela Suprema Corte. 


De outro lado, e com a mesma gravidade, assistimos a manifestações críticas direcionadas ao TSE e ao sistema eleitoral brasileiro, difundindo suspeitas desprovidas de qualquer base empírica, e que só contribuem para agravar o quadro de instabilidade institucional. Além disso,

tivemos recente declaração do Senhor Presidente da República, em clara afronta à Constituição Federal, atribuindo às Forças Armadas o incabível papel de decidir sobre a prevalência ou não do regime democrático em nosso País.

É importante recordar as espécies de responsabilidade dos agentes políticos no regime constitucional brasileiro. A possibilidade de configuração de crimes de responsabilidade, eventualmente praticado por agente político de qualquer esfera, também não afasta a hipótese de caracterização de crime comum, da competência dos tribunais.

Nesse cenário, o Ministério Público Federal e, no particular, o Procurador-Geral da República, precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo – independentemente de “inquérito epidemiológico e sanitário” na esfera do próprio Órgão cuja eficácia ora está publicamente posta em xeque –, e sem excluir previamente, antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade (CF, art. 102, I, b e c).

Consideramos, por fim, que a defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um “estado de defesa” e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente.

Brasília, 20 de janeiro de 2021.

José Adonis Callou de Araújo Sá

Subprocurador-Geral da República

Conselheiro


José Bonifácio Borges de Andrada

Subprocurador-Geral da República

Conselheiro


José Elaeres Marques Teixeira

Subprocurador-Geral da República

Conselheiro


Luiza Cristina Fonseca Frischeisen

Subprocuradora-Geral da República

Conselheira


Mario Luiz Bonsaglia

Subprocurador-Geral da República

Conselheiro


Nicolao Dino

Subprocurador-Geral da República

Conselheiro

https://www.oantagonista.com/brasil/aras-precisa-cumprir-o-seu-papel-e-investigar-bolsonaro-dizem-subprocuradores/ 


A nota de Aras é desastre natural de uma personalidade autoritária

Por Mario Sabino 

Augusto Aras, o Procurador-Geral da República que vem prestando relevantes desserviços à nação, como o desmantelamento da Lava Jato e a tentativa de intimidar este site e a Crusoé no inquérito do fim do mundo, divulgou ontem uma nota na qual fica evidente o papel que se arrogou: o de advogado de defesa de Jair Bolsonaro. Mas ele foi muito além, ultrapassando quaisquer limites: ao lavar as mãos de investigar os supostos crimes evidentes do presidente da República na (falta) de gestão da pandemia, ele faz uma ameaça velada, que a sua assessoria tenta desmentir a jornalistas, sem sucesso. As palavras estão lá.


A nota diz que “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa. A considerar a expectativa de agravamento da crise sanitária nos próximos dias, mesmo com a contemporânea vacinação, é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional.” 

Na sequência, como publicamos, ele afirma que “segmentos políticos clamam por medidas criminais contra autoridades federais, estaduais e municipais” e que ele “já vem adotando todas as providências cabíveis desde o início da pandemia”, a fim de que “não haja o alastramento da crise sanitária para outras dimensões da vida pública”. 

À guisa de conclusão, Aras diz: “Neste momento difícil da vida pública nacional, verifica-se que as instituições estão funcionando regularmente em meio a uma pandemia que assombra a comunidade planetária, sendo necessária a manutenção da ordem jurídica a fim de preservar a estabilidade do Estado Democrático.”


A primeira observação a ser feita é que “preservar a estabilidade do Estado Democrático”, em meio à tragédia que vivemos, significa investigar o descalabro pornográfico do governo Bolsonaro em relação à peste que já matou mais de 200 mil brasileiros. É, portanto, o contrário do que Aras afirma. Não existe Estado Democrático quando um presidente da República sente-se livre para sabotar a manutenção da saúde pública, seja por atos de irresponsabilidade e mesmo perversidade, ao estimular aglomerações, ridicularizar o uso de máscaras e prescrever remédios sem comprovação científica, ou de incompetência administrativa, como fica evidente pelo caos da falta de oxigênio em Manaus e a confusão na aquisição e distribuição de vacinas nos estados. É de uma clareza de alvejante o Ministério da Saúde não tinha plano nenhum em relação à imunização em massa.


O segundo ponto é que não é função do PGR divulgar notas de cunho político sobre os motivos que o levam a investigar ou não esse ou aquele assunto. Ele deve se ater ao contornos jurídico-policiais que lhe são impostos pela Constituição. É absoluto despropósito insinuar que o presidente da República pode decretar o estado de defesa, uma “antessala do estado de calamidade pública”. Estaria Aras atuando como porta-voz do Planalto? A interrogação está no ar.


De fato, a Constituição prevê que o estado de defesa pode ser acionado quando há grandes rebeliões populares ou ocorre um desastre natural que, dadas as suas proporções, seja capaz de ameaçar a ordem pública ou a paz social. O estado de defesa pode durar 30 dias, prorrogáveis uma única vez por outros 30. Durante o estado de defesa, algumas garantias individuais permanecem suspensas, como o direito à reunião e ao sigilo de correspondência. A decisão do presidente da República de decretar o estado de defesa passa pela aprovação do Congresso. A questão a ser formulada quanto ao ponto específico é por que Aras acha que investigar a atuação do presidente da República causaria rebeliões República causaria rebeliões populares ou um desastre natural de grandes proporções? A pandemia, aliás, não pode ser considerada inteiramente um desastre natural. É uma emergência sanitária diante da qual o presidente da República e os seus asseclas nada fazem ou fazem errado. Ou seja, deve ser objeto de investigação. Quanto ao receio de rebeliões populares, o STF, ainda que de maneira arbitrária, já domou os ímpetos da malta bolsonarista que se reduz a cada dia. E que PGR é esse que teria medo da ação de agentes provocadores? 

A última vez que se falou em estado de defesa em Brasília foi em 2016, quando grandes manifestações de rua exigiam o impeachment de Dilma Rousseff. Petistas aloprados quiseram transformar os atos cívicos em rebeliões populares e sondaram o general Eduardo Villas-Bôas, então comandante do Exército, para obter o seu apoio. Receberam um rotundo não como resposta. E tendo a crer que o atual comandante, Edson Leal Pujol, não se meteria numa aventura como a insinuada pelo PGR. 

A nota de Augusto Aras, sim, é desastre natural. Desastre natural de uma personalidade autoritária. Personalidade autoritária que age como advogado de defesa do presidente da República que o nomeou, personalidade igualmente autoritária. Só que mesmo o funcionário mais subalterno sabe que, no Estado Democrático, não dá para defender o chefe quando ele comete crimes à luz do dia, na frente de todo mundo. Suposta e evidentemente. 

https://www.oantagonista.com/brasil/a-nota-de-aras-e-desastre-natural-de-uma-personalidade-autoritaria/

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