Sergio Moro: o juiz das ruas e sua decisão polêmica No domingo, Sergio Moro foi o herói das manifestações. Na quarta-feira, jogou gasolina na fogueira dos protestos ao tornar públicos os áudios de Lula
LEANDRO LOYOLA
18/03/2016
O juiz Sergio Moro (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino) |
Às 16h21 da quarta-feira, dia 16 de março, o juiz Sergio Moro
tomou uma decisão que inflamou o país. Na véspera do aniversário de
dois anos da Lava Jato, operação da qual se tornou símbolo, Moro
escolheu suspender o sigilo
da parte mais recente da investigação. Com isso, tornaram-se públicas,
entre milhares de outros documentos, as gravações que registraram
conversas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a cúpula do
poder petista e com seus assessores e advogados. Horas antes, a
presidente Dilma Rousseff anunciara que Lula seria,
como se especulava havia semanas, seu novo ministro. Escolhera a Casa
Civil.
Os indignados com a nomeação de Lula encontraram, nos diálogos
divulgados por Moro, o combustível para sua ira. Os que consideram que
os integrantes da força-tarefa da Lava Jato e o próprio juiz Moro
ultrapassam os limites legais de suas atribuições também. Em poucos
minutos, conforme a imprensa noticiava o conteúdo das conversas de Lula –
algumas extremamente graves, outras galhofeiras –, panelas começaram a bater.
A frente do Palácio do Planalto foi tomada por manifestantes que pediam
a renúncia de Dilma. Gritos de “Renúncia, renúncia!” também ressoaram
no Congresso. Do lado dos governistas e também de alguns juristas
respeitados, argumentou-se que Moro agira ilegalmente.
>> Operadora desligou escutas 24 horas depois de decisão de Moro Moro justificou, em um despacho, sua escolha: “O levantamento (do sigilo) propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.
O juiz Moro atua na primeira instância. Com a iminente nomeação de Lula para o cargo de ministro, a investigação subiria, em tese, ao Supremo Tribunal Federal. Ao ser informado pelos procuradores de que havia uma operação em curso para proteger Lula e atrapalhar as investigações, Moro julgou que o princípio da publicidade era o mais importante naquele momento. É um caminho controverso. Juristas criticaram a decisão do juiz de divulgar o conteúdo da investigação.
>> Lula: a solução virou um problema
Não se pode sugerir que o procedimento seja incoerente com a postura de Moro. O juiz sempre primou pela transparência. Parte dessa opção pela publicidade dos autos vem da inspiração de Moro no Direito anglo-saxão.
Os juristas americanos exercem imensa influência no juiz paranaense, e ele nunca omitiu isso. Tanto que, novamente num movimento polêmico, Moro usou um precedente de outro país para explicar sua decisão de abrir as gravações de Lula e defender a legalidade do registro da conversa com Dilma, apesar da prerrogativa de foro da presidente. Diz Moro no despacho em que remete os autos da investigação ao Supremo: “A circunstância do diálogo ter por interlocutor autoridade com foro privilegiado não altera o quadro, pois o interceptado era o investigado e não a autoridade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente.
Ademais, nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon (Estados Unidos x Nixon), 1974, ainda um exemplo a ser seguido”.
Moro se refere a uma decisão da Suprema Corte americana de 1974, no caso Watergate.
Dois anos antes, o jornal Washington Post começara a investigar um
assalto em um escritório do Partido Democrata no Complexo Watergate, em
Washington. Descobriu-se que assessores do presidente Richard Nixon, do
Partido Republicano, espionaram, a partir do furto de documentos e da
instalação de escutas ambientais, reuniões dos adversários democratas.
Mais grave: com o conhecimento de Nixon.
Para provar que Nixon sabia da espionagem ilegal, o promotor do caso pediu que fossem liberadas gravações feitas na Casa Branca.
O presidente Nixon alegou que o sigilo de suas conversas deveria ser mantido, por questão de segurança nacional. A Suprema Corte derrotou a tese por 8 votos a 0. A mensagem dos ministros era que nem o presidente é imune às leis e o público tem o direito de saber se algo errado estiver sendo feito “nas sombras”. As gravações foram liberadas e Nixon renunciou.
Outra grande influência de Moro, como é largamente sabido, é a Operação Mãos Limpas, que investigou a corrupção entranhada no governo na Itália na década de 1990 – e, por consequência, dizimou o Partido Socialista Italiano (PSI).
Em 2004, quando escreveu o artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, Moro explicitou o que pensa sobre a publicidade de documentos. “Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.
Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e outros jornais e revistas simpatizantes”, diz Moro. “Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil.
O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.” Moro prossegue, argumentando que a publicidade “garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados”.
O magistrado sempre temeu que algum investigado tentasse fugir de seu alcance obstruindo a Justiça. Avaliando que era isso que Lula e seus aliados planejavam, Moro reagiu com a arma jurídica que lhe cabia: a suspensão do sigilo.
O juiz e os procuradores da Lava Jato são de uma geração que quer mudar a aplicação da lei penal, ampliar essa aplicação aos criminosos de colarinho-branco, aos mais poderosos.
Eles têm essa ambição e vêm obtendo sucesso nos últimos dois anos, com prisões e condenações de empreiteiros da estirpe de Marcelo Odebrecht. Ao bater na porta dos políticos, passaram a enfrentar uma resistência mais estridente, de gente desacostumada a ver sua autoridade desafiada; que não tem apenas acesso a advogados, mas a palanques, verbas públicas e instrumentos de manipulação dos subterrâneos do poder político. A agenda de Moro e da Lava Jato não é política.
É de combate ao crime, dentro das leis. Mas isso não impede que surjam críticas ao trabalho deles. Mesmo entre alguns dos defensores da Lava Jato, há o sentimento de que algumas decisões recentes de Moro são contraproducentes para as próprias investigações.
>> Operadora desligou escutas 24 horas depois de decisão de Moro Moro justificou, em um despacho, sua escolha: “O levantamento (do sigilo) propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.
O juiz Moro atua na primeira instância. Com a iminente nomeação de Lula para o cargo de ministro, a investigação subiria, em tese, ao Supremo Tribunal Federal. Ao ser informado pelos procuradores de que havia uma operação em curso para proteger Lula e atrapalhar as investigações, Moro julgou que o princípio da publicidade era o mais importante naquele momento. É um caminho controverso. Juristas criticaram a decisão do juiz de divulgar o conteúdo da investigação.
>> Lula: a solução virou um problema
Não se pode sugerir que o procedimento seja incoerente com a postura de Moro. O juiz sempre primou pela transparência. Parte dessa opção pela publicidade dos autos vem da inspiração de Moro no Direito anglo-saxão.
Os juristas americanos exercem imensa influência no juiz paranaense, e ele nunca omitiu isso. Tanto que, novamente num movimento polêmico, Moro usou um precedente de outro país para explicar sua decisão de abrir as gravações de Lula e defender a legalidade do registro da conversa com Dilma, apesar da prerrogativa de foro da presidente. Diz Moro no despacho em que remete os autos da investigação ao Supremo: “A circunstância do diálogo ter por interlocutor autoridade com foro privilegiado não altera o quadro, pois o interceptado era o investigado e não a autoridade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente.
Ademais, nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon (Estados Unidos x Nixon), 1974, ainda um exemplo a ser seguido”.
Para provar que Nixon sabia da espionagem ilegal, o promotor do caso pediu que fossem liberadas gravações feitas na Casa Branca.
O presidente Nixon alegou que o sigilo de suas conversas deveria ser mantido, por questão de segurança nacional. A Suprema Corte derrotou a tese por 8 votos a 0. A mensagem dos ministros era que nem o presidente é imune às leis e o público tem o direito de saber se algo errado estiver sendo feito “nas sombras”. As gravações foram liberadas e Nixon renunciou.
Outra grande influência de Moro, como é largamente sabido, é a Operação Mãos Limpas, que investigou a corrupção entranhada no governo na Itália na década de 1990 – e, por consequência, dizimou o Partido Socialista Italiano (PSI).
Em 2004, quando escreveu o artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, Moro explicitou o que pensa sobre a publicidade de documentos. “Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.
Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e outros jornais e revistas simpatizantes”, diz Moro. “Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil.
O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.” Moro prossegue, argumentando que a publicidade “garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados”.
O magistrado sempre temeu que algum investigado tentasse fugir de seu alcance obstruindo a Justiça. Avaliando que era isso que Lula e seus aliados planejavam, Moro reagiu com a arma jurídica que lhe cabia: a suspensão do sigilo.
O juiz e os procuradores da Lava Jato são de uma geração que quer mudar a aplicação da lei penal, ampliar essa aplicação aos criminosos de colarinho-branco, aos mais poderosos.
Eles têm essa ambição e vêm obtendo sucesso nos últimos dois anos, com prisões e condenações de empreiteiros da estirpe de Marcelo Odebrecht. Ao bater na porta dos políticos, passaram a enfrentar uma resistência mais estridente, de gente desacostumada a ver sua autoridade desafiada; que não tem apenas acesso a advogados, mas a palanques, verbas públicas e instrumentos de manipulação dos subterrâneos do poder político. A agenda de Moro e da Lava Jato não é política.
É de combate ao crime, dentro das leis. Mas isso não impede que surjam críticas ao trabalho deles. Mesmo entre alguns dos defensores da Lava Jato, há o sentimento de que algumas decisões recentes de Moro são contraproducentes para as próprias investigações.