quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Documentos internos da Abin revelam que o governo Bolsonaro foi alertado desde o início sobre o avanço da covid-19 e o risco de o Brasil liderar o número de mortes no mundo.

 Documentos internos da Abin revelam que o governo Bolsonaro foi alertado desde o início sobre o avanço da covid-19 e o risco de o Brasil liderar o número de mortes no mundo. 

As projeções foram enviadas ao Gabinete de Segurança Institucional e previam, com base em modelos estatísticos, a escalada dos óbitos — enquanto o governo resistia às recomendações da ciência e apostava em medidas ineficazes.


No novo artigo do articulista Jamil Chade no Vero Notícias, também vêm à tona relatos de agentes que enfrentaram pressão para silenciar dados e projeções. 

Mesmo com alertas claros sobre a gravidade da pandemia, a escolha do governo contrariou orientações da OMS e expôs milhões de brasileiros. 


Covid: Abin alertou sobre esgotamento de leitos, mas foi ignorada por Bolsonaro



O governo de Jair Bolsonaro sabia que os números de mortes pela covid-19 seriam elevados e era informado com regularidade sobre o esgotamento de leitos e a liderança internacional do país no volume de óbitos pela pandemia.

Isso é o que revelam documentos internos da Abin – a Agência Brasileira de Inteligência.

Ao final da pandemia, mais de 700 mil brasileiros tinham morrido, enquanto o governo resistia à ideia de confinamento, medidas para exigir o uso de máscara e uma demora para a compra de vacinas. 

Se não bastasse, o governo Bolsonaro apostou em tratamentos comprovadamente ineficientes para lidar com o vírus, como a cloroquina.

Num informe da Abin produzido em 1º de junho de 2020 e enviado ao Gabinete de Segurança Institucional, o Palácio do Planalto foi informado pela inteligência de que o número acumulado de mortes no Brasil pela covid-19 passaria de 29 mil, naquele dia, para 49 mil em apenas uma semana.



De fato, os dados das secretarias estaduais de Saúde apontaram dois dias depois que as mortes já somavam 32 mil brasileiros. A projeção se confirmaria.

Nas últimas três semanas, esta coluna revelou os bastidores de como a Abin lidou com a pandemia, a partir de depoimentos de agentes e documentos oficiais do serviço de inteligência no Brasil.

Entre as revelações, constata-se que a Abin alertou o governo sobre o fracasso da cloroquina. A coluna também mostrou como agentes foram instruídos a suprimir informes sobre a pandemia.

No novo documento, fica evidenciado que, internamente, o governo de Jair Bolsonaro era informado da dimensão da crise sanitária e com projeções alarmantes. Mesmo assim, a escolha foi por uma resposta que contrariava a ciência e as recomendações da OMS.

A Abin, por exemplo, alertou ao governo que havia uma “liderança do Brasil em números de novas mortes e casos por COVID-19”.

“De acordo com dados divulgados em 1º jun. 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil foi o país que apresentou o maior número de novas mortes e casos decorrentes da COVID-19 na semana de 24 a 30 maio 2020. O Brasil acumulou, segundo a organização, 6.821 novas mortes na última semana epidemiológica, enquanto esse número foi 6.777 nos EUA. Em relação aos novos casos, o Brasil registrou 151.042 casos, enquanto os EUA registraram 141.400 no mesmo período”, indicou a Abin.



As projeções da agência iam se confirmando conforme os meses iam passando. De acordo com a agência de inteligência, um dos modelos utilizados para feitura dessas projeções foi o auto-regressivo integrado de médias móveis (ARIMA). “Como exemplo do uso dessa metodologia, cita-se conhecimento difundido em 2 de agosto de 2020 no qual a Abin conseguiu prever com bastante fidedignidade os números da doença, que atingiu 100.543 óbitos registrados e 3.013.369 diagnósticos, conforme número divulgado pelo consórcio de veículos de imprensa, em 8 de agosto de 2020”, destacou.

A agência destacou que este tipo de modelo estatístico é utilizado para se fazer análises baseadas em séries temporais. “Assim, ele utiliza os dados coletados ao longo do tempo para tentar prever o comportamento futuro da série. Seu resultado, então, é uma área em que se tem uma probabilidade associada às projeções”, explicou.

“Foram utilizados os dados de casos e óbitos relacionados à covid-19 desde a primeira ocorrência no país, e um coeficiente de confiança de 95%”, afirmou.

Num documento que relata como a Abin lidou com a pandemia, a agência traz o depoimento de uma funcionária, identificada apenas como Camila. Ela ingressou na Agência em agosto de 2005 e trabalhou, inicialmente, na área de contraterrorismo. Também atuou na contraespionagem, no Departamento de Contrainteligência (DCI).

Em 2018, a agente assumiu a direção desse departamento que, a partir de 2019, passou a ter entre suas atribuições o acompanhamento de ameaças químicas, biológicas, radiológicas e nucleares (QBRN) e, portanto, acompanhava o risco de eclosão de uma nova pandemia em escala global quando a crise começou, em 2020.

“Havia uma resistência, por parte de algumas pessoas no governo, às informações que a gente trazia”, admitiu.

“As nossas estatísticas não agradavam porque elas mostravam um cenário catastrófico, mas uma pandemia é, por si só, um cenário catastrófico”, disse. “E ficou evidente que as nossas projeções eram condizentes com a realidade. Mas, infelizmente, o ruído das fake news atrapalhava. Algumas pessoas no governo acreditavam de verdade em várias dessas fake news. Realmente acreditavam”, lamentou Camila.

Segundo ela, quando a Abin desmentia algumas dessas notícias falsas, “isso era percebido por essas pessoas como se a Agência ou oficiais de inteligência estivessem trabalhando em desacordo com o que o Estado brasileiro desejava”.

“Nesse contexto, eu era muito pressionada, mas eu evitava ao máximo passar essa pressão para as equipes”, confessou.


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